Como todos os filmes Pixar, “Soul” traz uma história simples, mas carregada de significados. Com uma ambientação estonteante, acompanhada de uma ótima trilha sonora, o filme mostra o poder do estúdio em desenvolver mensagens que podem ser muito mais eficientes para o público adulto, mas sem perder o encanto para o infantil.
Após conseguir uma oportunidade para realizar o seu sonho de tocar piano profissionalmente em uma banda de Jazz, Joe (Jamie Foxx) sofre um acidente, o que acaba levando-o para o além. Inconformado com a ideia de sua morte, ele foge para o Pré-vida, onde almas são preparadas para o início de sua jornada na terra. Ele conhece 22 (Tina Fey), que já está a muito tempo no lugar e não se sente atraída pela ideia de viver além de lá. Eles acabam fechando um acordo: se Joe conseguir convencê-la de que a terra é um lugar incrível, ela o entrega o passe que garante a volta ao planeta.
Talvez o maior feito da narrativa seja apresentar um propósito válido durante seus primeiros momentos, mas que muda para algo ainda mais eficiente após sua primeira metade. O que aparentemente era apenas um incentivo para correr atrás dos sonhos, se torna um questionamento ainda mais profundo: “a vida é apenas isso? É impossível viver feliz sem realizar os seus maiores desejos?”. O filme responde de forma bastante sincera e condizente com a realidade. A ideia de viver atrás de uma carreira de sucesso e de se imaginar feliz apenas depois de concluir o planejado é onde o filme toca. Talvez você já tenha tudo que precisa para ser feliz, mas não enxerga por acreditar que a vida só dará certo quando você conquistar tudo o que sempre sonhou.
Por trás de tanto conteúdo e reflexão, o filme mescla o bom enredo com um visual absurdo, trazendo momentos muito bem animados, capazes de serem confundidos com um live-action. Lembram quando “Toy Story 3” foi lançado em 2010 e muitos acreditaram que seria difícil evoluírem ainda mais quando se tratava de animações? Pois é, evoluíram e não foi pouco. É de se impressionar como a Pixar se supera cada vez mais.
A história ainda traz um pouco sobre o Jazz do ponto de vista do protagonista e a importância cultural presente em tal gênero musical. É raro encontrarmos representações diversas (negras, LGBTQ+, PCD) em filmes de animação devido ao preconceito de grande parte da sociedade, e perceber que finalmente estamos engatinhando cada vez mais para conseguirmos é animador. Em “Viva – A Vida é uma Festa”, tivemos contato com a cultura mexicana; em “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica”, tivemos uma personagem lésbica assumida. E agora com “Soul”, temos um protagonista negro apaixonado por Jazz, além dos personagens (humanos) serem majoritariamente negros. Ainda que existam muitos questionamentos à cerca disso, pessoas sem consciência de seus privilégios ou simplesmente desinformadas, que questionam a respeito da necessidade da diversidade, é importante que o cinema seja uma representação constante do cotidiano das pessoas e suas culturas, que traga vivências de diversos nichos. Com isso, o filme vem para mostrar que estamos cada vez mais perto de conquistar representatividade nas animações Pixar, o que é uma vitória ao considerar o alcance do estúdio.
Pode se dizer que o único deslize acontece em seus minutos finais. Ele chega em seu ápice e entrega uma mensagem de encher os olhos de lágrimas, mas acaba abruptamente, perdendo a oportunidade de pegar o público ainda mais de jeito – o famoso soco no estômago que a Pixar costuma dar. A resolução de todo o propósito inicial de Joe aconteceu nos segundos finais e quando os créditos sobem você só consegue pedir por mais. Não considero isso um ponto negativo, penso que o epílogo pode funcionar com a maioria e com certeza não foi algo que pesou drasticamente. Vale a pena ser conferido, principalmente em momentos onde a esperança se torna cada dia mais escassa, as dúvidas sobre o futuro tomam conta e a felicidade se torna cada vez mais difícil de ser alcançada.