Ah, o Carnaval…
Embora esse feriado não me agrade particularmente, não posso negar o quanto de amor e dedicação são colocados nessa celebração. A alegria que ele proporciona a muitos é, sem dúvida, contagiante. E, quando penso em Carnaval, a primeira imagem que me vem à mente é a de Carmen Miranda — a primeira e única, uma das figuras brasileiras mais famosas da história.

A Pequena Notável

Maria do Carmo Miranda da Cunha nasceu em 9 de fevereiro de 1909, em Portugal. Aos dez meses de idade, acompanhada pela mãe Maria Emília e pela irmã Olinda, deixou sua terra natal e nunca mais retornou. A família se estabeleceu no Rio de Janeiro, onde nasceram mais quatro filhos: Amaro, Cecília, Aurora e Óscar. O apelido “Carmen” foi dado por um tio, admirador de óperas. No final dos “anos loucos”, Carmen foi apresentada ao mundo da música e conheceu o compositor Josué de Barros, que a introduziu em apresentações teatrais e em clubes. Sua carreira como cantora era promissora e conquistava ouvintes nas transmissões de rádio. Na década de 1930, quando o cinema brasileiro começava a ganhar forma, Miranda participou de diversas produções nacionais com forte influência carnavalesca.

O filme Alô Alô Carnaval é um dos poucos dessa época que ainda foram preservados, capturando um raro registro do início da carreira de Carmen no Brasil. Nele, ela canta “Cantoras do Rádio” ao lado de sua irmã mais nova, Aurora, em uma das cenas mais memoráveis de sua trajetória. Em Banana da Terra, um de seus últimos filmes nacionais, Carmen usou pela primeira vez o icônico traje de baiana — visual que marcaria sua imagem para sempre. Segundo ela mesma, o figurino foi inspirado nas baianas de acarajé, e a música “O que é que a baiana tem?” era uma homenagem a essas mulheres.

Às vésperas do Carnaval de 1939, Carmen chamou a atenção de Lee Shubert, influente empresário norte-americano que controlava boa parte dos teatros da Broadway. Ele garantiu que a “Pequena Notável” faria sucesso nos Estados Unidos — e cumpriu a promessa. Carmen, acompanhada pelo grupo Bando da Lua, desembarcou em solo americano e se tornou uma sensação, chegando a se apresentar para o presidente Franklin Delano Roosevelt.

Com seus saltos plataforma (para disfarçar seus 1,55 m de altura), turbantes extravagantes e carisma vibrante, Carmen Miranda consolidou-se como o estereótipo da latina durante a era da “Política da Boa Vizinhança”, com performances que, embora populares nos EUA, foram recebidas com antipatia por parte dos brasileiros, que as consideravam caricatas.

O Estrelato e o Rápido Declínio

Durante os anos de guerra, Carmen reinou nos musicais de Hollywood, sempre interpretando o arquétipo da latina sensual, com um forte sotaque e figurinos exóticos. Um de seus filmes mais icônicos, Entre a Loura e a Morena, consolidou de vez a imagem da “mulher do chapéu de frutas”, especialmente em um número musical coreografado pelo lendário Busby Berkeley. Entre 1942 e 1943, foi convidada por Walt Disney para participar do filme The Three Caballeros, mais uma iniciativa da política da boa vizinhança. No entanto, seu contrato com a Fox impediu sua participação, e quem assumiu seu lugar foi sua irmã Aurora, que interpretou “Os Quindins de Yayá” ao lado de Zé Carioca e Pato Donald.

Mesmo interpretando papéis semelhantes, Carmen continuava a agradar ao público. Em meados de 1945, chegou a ser a artista mais bem paga de Hollywood. Ironicamente, esse foi também o início do declínio de sua carreira cinematográfica. Com o fim da guerra, o interesse pela cultura latino-americana diminuiu drasticamente. Seus filmes, antes vibrantes e coloridos, passaram a ser filmados em preto e branco, e sua presença nas produções foi gradualmente reduzida. Em 1947, casou-se com David Sebastian, que assumiu o papel de seu empresário, mas acabou por prejudicar ainda mais sua carreira, já abalada. O casamento foi, no mínimo, conturbado.

Em 1948, estrelou Copacabana, ao lado de Groucho Marx. A crítica elogiou sua habilidade de interpretar dois personagens distintos e destacou seu talento surpreendente para a comédia. Com a carreira no cinema em baixa, Carmen voltou-se para a música, realizando turnês pela Europa — passando por Inglaterra, Itália, Suécia, Dinamarca, entre outros países.

Vícios, Dependências e o Fim Prematuro

Desde sua chegada aos Estados Unidos, Carmen tornou-se dependente de barbitúricos. Para suportar sua rotina exaustiva, recorria a calmantes e estimulantes em excesso. Em 1948, engravidou após várias tentativas, mas sofreu um aborto espontâneo que comprometeu sua capacidade reprodutiva. O episódio agravou sua depressão e intensificou o consumo de álcool, cigarro e remédios. Em dezembro de 1954, após 14 anos ausente, retornou ao Brasil. Na década de 1940, havia sido duramente criticada por sua imagem caricata e pela suposta contribuição ao estereótipo do brasileiro. Magoada, respondeu com a música “Disseram que eu voltei americanizada”. Durante essa última visita, se isolou no Copacabana Palace, a pedido de um médico que tentou tratar sua dependência — que diminuiu, mas não cessou.

Recuperada, voltou à rotina de turnês e apresentações. A CBS chegou a propor uma sitcom própria para ela, nos moldes de I Love Lucy, intitulada The Carmen Miranda Show. Mas, antes de finalizar o projeto, Carmen precisou gravar uma participação no Jimmy Durante Show, no dia 4 de agosto de 1955. Durante a gravação, tropeçou e demonstrou cansaço, mas encerrou o programa dançando, sorrindo e enviando beijos ao público.

Aquela foi sua última aparição em vida.

Horas depois, em sua casa em Beverly Hills, recebeu amigos e colegas do elenco. No segundo andar da residência, sofreu um ataque cardíaco fulminante e faleceu, aos 46 anos. A notícia comoveu o mundo — especialmente o Brasil. Seu corpo foi trazido de volta ao Rio de Janeiro, onde milhares de fãs se despediram. Diz-se que seu cortejo fúnebre foi maior até do que o de Getúlio Vargas, que havia falecido no ano anterior.

O Legado de Carmen Miranda

Carmen Miranda permanece como uma das figuras brasileiras mais reconhecidas internacionalmente. Sua imagem tropical e exuberante — ainda que distante da realidade brasileira — tornou-se um símbolo da cultura popular global. Suas interpretações de clássicos da música brasileira continuam sendo ouvidas, especialmente durante o Carnaval. Apesar das críticas à sua suposta “americanização”, Carmen nunca escondeu o orgulho que sentia de suas raízes brasileiras. Sua trajetória foi interrompida de forma precoce, mas sua influência continua presente em diversas áreas do entretenimento. Mais do que um rosto bonito, Carmen foi um marco em sua geração — e continua sendo, até hoje, uma estrela que brilha com força no imaginário brasileiro e mundial.

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