Eu não sei vocês, mas Steven Spielberg moldou boa parte da minha infância. Me lembro da emoção que foi ver “Jurassic Park” no cinema e de como comecei a chorar com a introdução do parque. Durante a pandemia de 2020, vi pela primeira vez muitos filmes de sua autoria: a franquia ‘Indiana Jones’, “Prenda-me se for capaz”, “O Terminal” e outros. Então devo dizer que quando ouvi que ele ia dirigir uma readaptação de “West Side Story”, não desgostei completamente da ideia.
A história do musical de Bernstein e Sondheim é uma reimaginação de “Romeu e Julieta” na Nova York de 1950, onde dois jovens se apaixonam no meio de um conflito territorial de duas gangues rivais: Os americanos Jets e os porto-riquenhos Sharks. Esse breve romance mostra que, as vezes, o amor nem sempre é a resposta para tudo.
Em 1961, o musical foi adaptado para o cinema e foi recebido com sucesso. O longa estrelado por Natalie Wood recebeu 10 Oscars em 1962; entre eles estava o de Melhor Filme e Melhor Direção. Rita Moreno( a única Porto-Riquenha na produção) se tornou a primeira latina a receber uma honraria dessas, após sua performance avassaladora como Anita.
Essa nova versão, lançada em Dezembro de 2021, foi um sucesso de crítica, mas um fracasso de bilheteria (isso acontece quando seu lançamento é próximo de um filme da Marvel). Mesmo com esse resultado azedo, o longa é um dos principais queridinhos dessa temporada de prêmios, incluindo para o Oscar de “Melhor Filme”.
Desde a primeira cena, a direção de Spielberg não decepciona. Esse homem consegue transformar uma poça de água em um mecanismo perfeito para “refletir” os conflitos dos personagens. Spielberg consegue balancear o lado vibrante do musical com a intensidade e violência das gangues. Ele nos joga de uma tensa cena que antecede uma Rinha para um complexo espetáculo musical. É difícil de acreditar que ele nunca tinha dirigido um musical antes (exceto uma rápida cena no segundo Indiana Jones).
Tony Kushner assina o roteiro e nos entrega um filme que corrige ( mas às vezes ignora) os problemas dessa história, se aprofundando no racismo enfrentado pelos porto-riquenhos e a gentrificação. Kushner, no entanto, não muda muito do esqueleto da narrativa, ainda focado no “amor à primeira vista”.
Algo que ajuda a deixar esse filme mais maduro do que o de 1961, é a falta do Código Hays. Esse código determinava que qualquer filme (dos EUA) não poderia representar uma série de interações: cenas não podiam ser violentas demais, relacionamentos inter-raciais normalmente acabavam em tragédia, sexo não podia ser mencionado de forma alguma. Por isso, muitas cenas que eram para ser intensas, são executadas de forma… cômica
Sem as restrições do Código Hays, essa versão não reserva a violência para o final dessa trágica história de amor, nos apresentando sangrentos trechos que conseguem transmitir o quão mais “sério” esse filme é em comparação com o original. Há uma cena adicional, logo depois da Rinha, que seria impossível no filme de 1961
O Elenco (tirando um pequeno problema, e vamos chegar lá) é um deleite. Os Sharks, interpretados com ajuda de Brownface em 1961, são todos interpretados por atores latinos ou com ascendência latina ( Rachel Zegler, por exemplo, é neta de colombianos). Ariana Debose e David Alvarez, intérpretes de Anita e Bernardo, são um casal dinâmico e cheio de uma química crível. Os dois protagonizam o ponto alto do musical ( você sabe qual é…) em uma dança completamente hipnótica. Quando os dois entram no ginásio e começam a dançar, o holofote é completamente deles, para nos oferecer uma performance de tirar o fôlego. Mas além disso, os personagens de Debose e Alvarez encapsulam os conflitos de imigrantes.
A atuação de Ariana foi a única reconhecida pela Academia e espero que, seguindo os passos de Rita Moreno, leve o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante
Mike Faist interpreta Riff de uma maneira perturbada e quase Shakespeariana, nos entregando um “antagonista” que consegue ser superficial e complexo ao mesmo tempo. Sem nem falar de suas habilidades de dança, que são espetaculares. A estreante Rachel Zegler interpreta a inocente Maria de forma decente o bastante para convencer a audiência a torcer por ela.
Rita Moreno, a Anita do filme original, retorna como Valentina, dona da loja de conveniências frequentadas pelos Jets. Sua presença no filme é breve, mas comovente, espelhando seu relacionamento com Doc em Tony e Maria. Seu número solo é trágico o bastante para arrancar as lágrimas.
O problema desse elenco, e do filme em si, é Ansel Elgort, ator acusado de estupro e abuso sexual. Elgort nos oferece a pior performance do filme: inconsistente, forçada, com péssimo desenvolvimento na área musical. Sua atuação é tão ruim e as acusações são tão recentes, que quando chegamos no final do filme, ninguém se importa com seu personagem e torce pelo pior.
Embora sua existência não fosse necessária e não tente mudar algumas das narrativas datadas, esse novo “West Side Story” é um deleite musical com bastante diversidade. A infeliz presença de Elgort não ofusca de forma alguma o espetáculo proporcionado por um elenco brilhante, músicas clássicas e coreografias afiadas. O de 1961 sempre será um clássico inovador, mas o de 2021? um espetáculo para quem ama cinema.