A imagem de Audrey Hepburn vestida em um tubinho preto, colar de perolas e usando uma elegante piteira é com certeza uma das mais associadas a ela. Holly Golightly continua sendo uma das figuras mais icônicas e instagramáveis da atualidade, mesmo para alguém que nunca sequer tenha assistido o filme. A protagonista de “Bonequinha de Luxo” continua sendo uma figura relvante no imaginário popular, diferente do seu filme de origem.
É consenso entre entusiastas e críticos de cinema que “Breakfast at Tiffany’s” continua sendo lembrado mais pelo seu valor estético, imitado e glamourizado por muitos, do que por seu valor narrativo. O material de origem, por outro lado, apresentava algo que poderia ser considerado relevante e interessante em 2023.
Perdido na Adaptação: O que aconteceu com ‘Bonequinha de Luxo”?
A história escrita por Truman Capote se gira em torno de um escritor sem nome, que passa boa parte do livro se lembrando de sua antiga amiga e vizinha, a jovem Holly Golightly. Durante o livro, mergulhamos um pouco na vida destes personagens: vemos sobre a homossexualidade do narrador, exploramos o estilo de vida de Holly e descobrimos um pouco mais sobre seu passado em contos episódicos que mostram como a personagem tem comportamentos auto-destrutivos e é, no mínimo, sozinha.
Quando a Paramount Studios comprou os direitos de adaptação, o roteirista Sunner Locke Elliot apresentou uma primeira versão que se assemelhava ao livro , e que não seguia exatamente o padrão de um filme popular da década de 60. Os produtores dispensaram Elliot, dando o cargo a George Axelrod, roteirista do clássico de Billy Wilder “O Pecado Mora ao Lado”.
Axelrod fez mudanças pivotais ao texto que, de uma forma ou de outra, afetaram o resultado final. Seu texto, no entanto, se assemelhava a uma típica comédia romântica dos Anos 60, uma fórmula que havia logrado êxito em ocasiões passadas. Entre as mudanças, estava a representação nada lisonjeira do japonês I.Y Yunioshi, interpretado por Mickey Rooney. A atuação ofensiva e caracterização exagerada são fatores que afastaran – e ainda afastam- o filme de muitas pessoas.
As muitas mudanças no texto original procuravam afastar a Holly de Audrey de uma personagem sem qualquer tipo de redenção para a sociedade norte-americana da década de 1960. Referências a abortos, indicaçoes de encontros sáficos e noite de relações polimamorosas foram completamente omitidas. O trabalho de Golightly, descrito por Truman Capote como uma ‘Gueixa Americana’, foi amenizado tornou uma vaga descrição em prol do código Hays. A escalacao de Audrey Hepburn, uma atriz introvertida vinculada ao arquétipo da gata borralheira com uma pureza infantil e jeito aristocratico, é um dos fatores principais quando se discutem escalacoes erradas: muitos, incluindo Capote, acreditavam que Holly deveria ser interpretada por Marilyn Monroe, figura que inspirou a personagem.
Pelo mesmo motivo, a homossexualidade do protagonista, batizado de Paul no filme, e seus encontros hedonisticos foram substituídos pela subtrama de que o mesmo era o michê de uma mulher em um casamento infeliz.
O filme, ao contrário da história de Capote, procura encerrar o arco de Golightly de maneira esperançosa e altruísta, com um beijo de amor na chuva nova-iorquina, prometendo às audiências de que tudo ficaria bem com os personagens. O final da noveleta mostra que Holly nunca encontrou seu gato, que a mesma tinha escorraçado momentos antes, e seguiu em direção à vida com a ilusão de ser um espírito livre, quando na verdade era apenas uma menina sozinha que buscava pela felicidade. O conto de uma menina que se mudou para a cidade de Nova York, brilhou por um momento e desapareceu sobre o vento em um final deprimente… deprimente demais para uma comédia romântica.
Desde o lançamento do filme, se passaram 62 anos, e com isso vários fatores que seriam inadaptáveis do livro de Capote são mais aceitos e compreensíveis para o público. O terreno sócio-cultural pós código Hays não considera mais condenáveis figuras moralmente duvidosas ou que fogem do padrão heteronormativo. Fatores como estes fazem com que discussões como as de “Livro VS Filme” atinjam “Bonequinha de Luxo ” com a adaptação que poderíamos ter tido.
Em uma época em que nenhuma propriedade intelectual é sagrada, não seria surpresa o anúncio de uma outra adaptação de “Breakfast at Tiffany ‘s”, mais fiel ao seu material de origem em toda sua frieza dualidade. A versão de Holly Golightly de Hepburn é um marco visual do cinema, mas ver uma versão mais acurada da personagem seria, no mínimo, interessante.