Em um mundo onde nenhuma propriedade intelectual é sagrada, vemos peças musicais inspiradas em filmes trilhando novamente o caminho para a tela prateada do cinema. Recentemente, presenciamos casos como “Meninas Malvadas” e “Cor Púrpura”, filmes que expandiram sua mitologia nos palcos do teatro. A terceira adaptação midiática do livro de Alice Walker emerge em um cenário cinematográfico pós-Movimento Black Lives Matter e quase quarenta anos após a versão dirigida por Steven Spielberg, estrelada por Whoopi Goldberg (que faz uma aparição surpresa na nova versão).
Situada entre as décadas de 1910 e 1940, ‘Cor Púrpura’ narra a história de Celie, uma afro-americana no sul dos Estados Unidos, separada de sua amada irmã Nettie por um marido abusivo. Com poucas alegrias para se agarrar e uma vida repleta de abusos, Celie descobre gradualmente seu valor enquanto sua vida e a daqueles a ela vinculados sofrem reviravoltas do destino.
Uma jornada de descoberta, libertação, identidade e valorização para aqueles que amamos; a versão de 2024 de ‘Cor Púrpura’ mantém a intensidade de sua predecessora, incorporando um charme e um brilho distintos com músicas vibrantes e diversas. O musical, agora sob a direção de Blitz Bazawule, abraça a negritude do projeto e aprofunda a compreensão dos personagens além do que o grande Spielberg poderia ter alcançado.
Alguns elementos do novo filme receberam a aprovação da autora do livro, Alice Walker, incluindo a subtrama sáfica entre Celie e a cantora Shug Avery. Nos moralistas anos 80, a ênfase nesse aspecto do enredo foi reduzida a um selinho entre a cantora e a dona de casa, contrastando com o relacionamento breve, porém bem representado, que o musical apresenta.
Fantasia Barrino e Danielle Brooks, esta última indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, reprisam seus papéis dos palcos e cativam a audiência com suas performances. Colman Domingo, Taraji P. Henson e Halle Bailey, o terror dos fãs de ‘A Pequena Sereia’, completam o elenco coadjuvante. Todos os membros conseguem transmitir emoções desejadas, seja com um levantar de sobrancelha ou um grito histérico. Barrino, em especial, enfrenta o desafio de competir com o legado da performance crua de Whoopi Goldberg, algo difícil de equiparar ou reproduzir.
As músicas entrelaçam melodias suaves e melancólicas com os ritmos enérgicos do Jazz das décadas de 20 e 30, sem receio de tentar modernizar em vocais ou dança. Contudo, uma ou outra música carrega uma ironia, seja por suas letras ou por uma posição questionável na narrativa: no primeiro número musical, um grupo de fiéis canta que ‘o senhor age de maneiras misteriosas’ enquanto passam por uma Celie na infância, grávida do homem que diz ser seu pai.
Diferentemente de outras adaptações, a versão de 2023 de ‘Cor Púrpura’ foca mais na cura do que nos traumas em si, abraçando as cores do mundo de Walker, mas sem se afastar da dura realidade das mulheres com vidas semelhantes à de Celie. Com atuações brilhantes e a renovação de uma obra clássica do cinema oitentista, este novo filme musical se revelou uma agradável surpresa por parte da Warner Bros.