Quando “Godzilla” de Gareth Edwards estreou nos cinemas americanos em 2014, o principal objetivo era criar uma interpretação diferente do famoso personagem japonês sob a perspectiva de Hollywood. A Warner Bros não tinha planos imediatos para uma franquia, e quando Godzilla finalmente mergulhou na baía de São Francisco nas cenas finais do filme, não havia planos imediatos para seu retorno.
Mais de uma década após seu surgimento, o Monsterverse se estabeleceu como uma franquia cinematográfica bilionária, reunindo clássicos Kaijus e oferecendo intensa ação e destruição em capitais ao redor do mundo. Aproveitando os diversos personagens criados pela Toho – atual detentora dos direitos de Godzilla – e permitindo liberdades criativas conforme seus diretores, este universo compartilhado alcançou sucesso onde muitas outras tentativas falharam.
Diante do sucesso do Universo Cinematográfico Marvel, diversos estúdios buscaram replicar a fórmula, unindo diferentes propriedades intelectuais em narrativas extensas protagonizadas por astros de Hollywood. No entanto, muitos desses esforços resultaram em fracassos nas bilheterias ou em problemas de gestão interna, impedindo que universos promissores decolassem, apesar de contar com personagens-chave da cultura pop.
Mas qual é o diferencial do Monsterverse? Por que, de alguma forma, um universo protagonizado por Godzilla e King Kong se mantém, enquanto outro, com Superman e Batman, está sendo completamente reestruturado?
Goste ou não do filme de 2014, “Godzilla” serviu como uma forte introdução ao universo, da mesma forma que “Homem de Ferro” abriu as portas do MCU. A segunda versão americana do monstro radioativo pode ter tempo de tela limitado em prol de personagens humanos unidimensionais, mas sua escala, presença e magnitude são sentidas durante toda a duração do filme. O filme de Edwards procura conectar eventos reais à constante presença de Godzilla, como ataques velados durante a Guerra Fria e testes nucleares do governo norte-americano.
Com sucesso crítico, financeiro e o direito de utilizar outros Kaijus, o Monsterverse expandiu-se com paciência, construindo uma base para o evento que serviria como ápice: o confronto entre Godzilla e King Kong. Cada filme ampliou as mitologias já existentes sem receio de tomar liberdades criativas, desenvolvendo gradualmente o fator de plausibilidade neste universo e tornando a batalha titânica uma questão de tempo. Os principais Kaijus não são os únicos que recebem desenvolvimento e tempo de tela: outras criações da Toho, como a mariposa gigante Mothra e o réptil alado Rodan, integram o grupo de titãs apresentados nos filmes da Warner/Legendary.
Ao contrário do universo estendido da DC, que foi marcado por uma abordagem apressada, o universo dos Kaijus se desenvolveu com foco na qualidade, priorizando a escuta das críticas da audiência. Embora os filmes “Godzilla vs Kong” e “Novo Império” não tenham sido amplamente aclamados pela crítica, foram os fãs do gênero e demais espectadores que impulsionaram seu sucesso financeiro.
A mudança de diretores para cada filme, algo que já condenou muitos filmes de diferentes universos cinematográficos, lança um ar de frescor e de espontaneidade. Enquanto Gareth Edwards coloca seus monstros como metáforas e analogias das atividades nucleares do ser humano – de maneira semelhante ao Godzilla de 1954- Adam Wingard foca no lado da ação e destruição entre as bestas, e ambas interpretações procuram se complementar.
Embora sejam frequentemente alvo de críticas, alguns arcos humanos nos filmes trazem momentos de delicadeza em meio a blockbusters focados em destruição. Desde Doutoras gêmeas com uma estranha ligação com Mothra até uma nativa da Ilha da Caveira que desenvolve uma amizade com Kong, ou ainda um acadêmico fascinado que considera Godzilla um “velho amigo”.
O Monsterverse está longe de ser uma franquia que revolucionará o cinema, mas sabe exatamente o que sua audiência deseja e consegue entreter qualquer pessoa em busca de um confronto entre um Deus e um Rei. Com estilos que se renovam a cada filme, o futuro dessa franquia é incerto, podendo continuar por mais dez anos ou chegar ao fim em “O Novo Império”, com o rei dos monstros dormindo pacificamente no coliseu de Roma.