Uma senhora idosa envolta por um grupo de Cavalos Árabes personifica a vida de Lenita Perroy, tema do documentário “Lenita” de Dácio Pinheiro. Tendo a parte final de sua vida inteiramente dedicada à criação de cavalos, Perroy teve uma breve incursão nas artes, destacando-se por uma autoria singular e incomum para sua época.
Nascida em 1937, Maria Helena Ribeiro, popularmente conhecida como Lenita, e seu marido Olivier foram figuras proeminentes no cenário cultural de São Paulo durante a década de 1960. O casal de fotógrafos organizava festas temáticas frequentadas por modelos, artistas e personalidades relevantes do mundo da moda. Foi nessa época que a carreira de Lenita como fotógrafa alcançou estabilidade.
Perroy, comparada no documentário à artista mexicana Frida Kahlo, era uma criatura de detalhes e escolhas não convencionais. Seja no estilo de maquiagem, que serviria de precursora da estética gótica, ou nos figurinos e acessórios excêntricos com ares surrealistas, as opções feitas por Lenita criaram um acervo único e raro para o ramo nacional de fotografia. Suas modelos e ensaios foram o foco do curta experimental “Olho de Vidro”, onde Lenita conduz uma viagem por trás da estética dos anos 1960 de seu ateliê.
Seu trabalho e delicadeza com as modelos resultaram em ensaios fotográficos sensuais e criativos, sempre se apegando a moda de alguma maneira. Utilizando artifícios luminosos, roupas feitas de fita-crepe ou emprestando da estética sadomasoquista, o pouco trabalho preservado de Lenita revela uma faceta do trabalho feminino na arte nacional.
Maria Helena foi a primeira fotógrafa brasileira a ter uma exposição própria no Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, onde seu talento como fotojornalista veio à tona após anos dedicados a essa área durante uma breve estadia no Japão. Com características incomuns para as mulheres da década de 1960 e com um olhar detalhista e obsessivo, Lenita teve uma breve participação na construção do mercado cinematográfico brasileiro.
Filmes como “A Super Fêmea”, com Vera Fischer, e “Beto Rockfeller”, com Luís Gustavo, contaram com a direção de arte da artista, sem receio de se expressar ou desagradar. Uma das pioneiras brasileiras a arriscar na posição de diretora, Perroy comandou dois filmes: “Mestiça, a Escrava Indomável”, com Sônia Braga, e “Noiva da Noite”, com Rossana Ghessa.
Após o divórcio de Olivier, Perroy abandonou as artes, tornando-se uma verdadeira raridade para os entusiastas da fotografia. Hoje, uma ilustre desconhecida na área, Lenita abandonou o ramo em um momento crucial, caindo na obscuridade enquanto tantos outros triunfavam.
LENITA E OS CAVALOS ÁRABES
Ao abandonar a carreira artística, Lenita se dedicou exclusivamente à criação de cavalos. Seu vínculo com os Cavalos Árabes é um dos mais fortes na criação brasileira, especialmente em relação a sua ligação com Ali Jamaal.
Maria Helena foi proprietária de Jamaal, um dos maiores garanhões árabes da história, por quase trinta anos. Com seu olhar fotográfico, recursos disponíveis e contatos certos, Lenita transformou o cavalo em um vencedor e uma sensação no Brasil e no mundo. Com mais de 300 filhos e incontáveis descendentes, a importação de Ali Jamaal, patrocinada por Perroy, é considerada um dos maiores feitos na criação nacional de Cavalos Árabes.
Jamaal recebeu visitas de diferentes criadores do Brasil e do mundo, incluindo o ator Patrick Swayze e o baterista Charlie Watts. O garanhão morreu em 2014, aos 32 anos, após décadas como um dos indivíduos mais influentes na criação equina. A morte de Ali Jamaal devastou Lenita, que procurou preservar seu legado.
Seu olhar desenvolvido ao longo de anos como fotógrafa foi fundamental na hora de criar seus animais, buscando produzir um potro que corrigisse os defeitos de seus pais. Devotada à arte de criar cavalos, Lenita é considerada uma das figuras mais relevantes da história da criação americana.
Em janeiro de 2018, Lenita faleceu em decorrência de um câncer de estômago, marcando o fim de uma vida notável. Seu trabalho artístico, disperso em álbuns de fotos particulares, tornou-se um tesouro impossível de ser catalogado. Enquanto seu legado na criação de cavalos é irrefutável, sua contribuição para a cultura brasileira é desconhecida por muitos.
O documentário de Dácio Pinheiro é uma obra fascinante que apresenta ao Brasil uma figura ilustre até então desconhecida. Com relatos de amigos, colegas e familiares, o projeto foca nos altos e baixos da vida de Perroy, mostrando o quão à frente de seu tempo ela era e a artista que o país perdeu sem sequer saber.