Quando Ryan Murphy anunciou sua parceria milionária com a Netflix, um projeto em particular chamou a atenção no mundo do entretenimento: o criador de “Glee” e “American Horror Story” produziria uma série para o streaming, recontando as origens da enfermeira Ratched, de “Um Estranho no Ninho”, com Sarah Paulson como protagonista. Mais de quatro anos depois, Paulson confirmou aos fãs que a série havia sido cancelada e que a história, deixada em aberto, não teria continuidade.
Apesar dos aspectos hitchcockianos na produção e das atuações decentes de todo o elenco, não surpreende que a companhia de entretenimento tenha desistido do programa. Uma reimaginação sáfica e trágica de uma das maiores vilãs do cinema, temperada com o famigerado protofeminismo executivo, não conseguiu se destacar entre o público e a crítica a longo prazo. Diferente de Malévola e Cruella De Vil, a enfermeira Ratched não é uma vilã caricata de mundos animados, mas sim um reflexo sombrio de diferentes aspectos do nosso cotidiano.
Considerada pela AFI (Instituto Americano de Cinema) como a segunda maior vilã do cinema, atrás apenas da Bruxa Má do Oeste, Mildred Ratched é a enfermeira-chefe de um hospital psiquiátrico em Salem. Com um punho de ferro, Ratched abusa, humilha e manipula pacientes mentalmente instáveis, promovendo um ideal distorcido de “ordem”. Seu regime autoritário, no entanto, é ameaçado quando o meliante McMurphy finge ser louco e se coloca na linha de frente contra ela.
Ratched simboliza muitas coisas em “Um Estranho no Ninho”, encarnando diferentes instituições em uma única figura: poder institucional, corrupção burocrática, controle, crueldade, manipulação, desumanidade. Mildred usa sua posição para diminuir e controlar qualquer pessoa que não se enquadre nos seus padrões, e consegue manter os administradores do hospital alheios às suas táticas cruéis graças à sua competência e resultados.
A falta de empatia da “Grande Enfermeira” em relação aos seus pacientes é contrastada pela espontaneidade de McMurphy. Quando o controle de Ratched começa a ruir, McMurphy, com sua personalidade explosiva, desempenha um papel crucial, demonstrando livre arbítrio em um mundo apático. Louise Fletcher foi responsável por trazer Mildred às telas do cinema em uma atuação extraordinária, que lhe rendeu o Oscar de Melhor Atriz.
Mais semelhante a “American Horror Story” do que ao filme que originou a personagem, “Ratched” tenta seguir o mesmo caminho de “Malévola”, explicando a origem do mal em uma figura trágica. Apesar das cenas decentes de horror corporal e da atuação consistente de Sarah Paulson, a série se perde na tentativa de criar uma narrativa fantasiosa para uma personagem tão realista quanto Ratched. A tentativa de redimir as futuras ações da enfermeira, explorando sua sexualidade, é um artifício que a série, claramente sem ideias, utilizou na tentativa de manter a história em andamento.
Mesmo que se perca um pouco em meio a antagonistas modernos, Mildred Ratched representa a vilania real e humana. De forma manipuladora, a personagem de Louise Fletcher encarna as piores facetas da corrupção e do controle. Não é necessário uma produção elaborada e exagerada para explicar as motivações de alguns personagens, pois a maldade da Grande Enfermeira reside em suas sutilezas e nuances, e não em grandes atos.