O horror corporal é uma linha tênue para muitos entusiastas do gênero de terror. Enquanto muitos não se importam em ver assassinos perseguindo suas vítimas, seja por meios sobrenaturais ou não, outros sentem-se angustiados com os limites que o corpo humano pode alcançar, de maneira orgânica ou artificial. O mais novo queridinho dos cinéfilos, “A Substância”, não hesita em misturar esse subgênero com um medo amplamente discutido, anteriormente abordado pelo Caféina Colorida, dentro do ramo do entretenimento: o envelhecimento.
Elizabeth Sparkle, uma estrela de cinema esquecida, acaba de completar cinquenta anos e foi dispensada de seu contrato devido à sua idade avançada. Atormentada pela iminente chegada do seu “fim da linha”, a atriz decide participar do experimento da misteriosa “Substância”. O produto cria uma versão mais jovem e aprimorada da original, mas com um conjunto de regras a serem seguidas sem exceção para a preservação do corpo original — batizado de Matrix — e de sua versão melhorada. Elizabeth entra em conflito quando sua versão mais nova, chamada Sue, se torna a nova sensação da cidade. Eventualmente, as duas metades da mesma mulher enfrentarão as consequências de suas decisões em relação à busca por juventude e relevância.
O tema do filme é uma crítica a uma indústria que adora explorá-lo narrativamente, mas ignora seus significados. Tratando do etarismo de maneira crua, o filme também busca refletir sobre padrões de beleza inatingíveis e as percepções que muitos têm de seus próprios corpos quando confrontados com isso. O machismo estrutural e a visão misógina de chefes do entretenimento também são abordados de forma pouco sutil. A demonização dos cinquenta anos é o que movimenta a história, criticando a maneira como muitos negócios tendem a menosprezar mulheres maduras, além de expor um mal moderno: a dismorfia corporal.
Diferentemente de “Hellraiser”, com seus ganchos, e de “Suspiria”, com seus membros contorcidos, o horror corporal de “A Substância” se baseia mais na percepção que temos do corpo envelhecido, nos medos provocados pela ciência e no abuso e uso de um corpo — literal ou metaforicamente. Com cenas que homenageiam clássicos do gênero, o filme não hesita em mostrar as consequências transformadoras que Elizabeth sofre, com a ajuda de próteses e efeitos especiais, culminando em uma criatura grotesca que irá chocar qualquer espectador. O uso de closes extremos em diferentes partes do corpo feminino e a distorção dos personagens masculinos contribuem para a criação de desconforto.
Demi Moore é Elizabeth Sparkle em uma das performances mais emocionantes e trágicas do ano, refletindo a triste situação de inúmeras atrizes ao longo da história do cinema. Margaret Qualley surpreende como Sue, a duplicata de Sparkle que busca tomar seu lugar e permanecer jovem, em uma atuação que oscila entre o divertido e o odioso. O elenco ainda conta com Dennis Quaid como o cínico produtor de Elizabeth e Sue.
Chegando do nada e causando grande repercussão, “A Substância” é um conto preventivo contra o etarismo e os padrões de beleza inalcançáveis, de uma maneira difícil de esquecer. Mesmo que seu significado possa ser reinterpretado dependendo do público, a lição — mesmo que já contada em diversas ocasiões — merece ser repetida até que se fixe, deixando de ocupar apenas páginas de roteiros para se tornar um diálogo viável.