A Renascença Disney foi o período em que a Walt Disney Animation Studios se reergueu após anos de incertezas e produções sem grande impacto. Em seu auge, a “Casa do Rato” revitalizou contos de princesas, sereias apaixonadas, feras encantadas e gênios de lâmpadas mágicas. Até o meio da década, o então presidente executivo dos estúdios, Jeffrey Katzenberg, tinha como objetivo criar uma animação que pudesse repetir o feito de “A Bela e a Fera”, que havia sido indicada ao Oscar de Melhor Filme antes mesmo da criação da categoria específica de Melhor Animação. Para isso, o estúdio apostou todas as fichas em “Pocahontas”, obra que pretendia surfar na onda de reparação histórica em relação aos povos nativo-americanos, tendência que dominava o cinema dos anos 1990. No entanto, o que se seguiu foi o início do declínio da chamada ‘nova era de ouro da Disney.’

É 1607, e no chamado “Novo Mundo”, a jovem princesa Powhatan, Pocahontas, vive em harmonia com a natureza e seu povo. Na mesma região, exploradores britânicos liderados pelo ganancioso Governador Ratcliffe desembarcam em busca de ouro e riquezas. Um dos exploradores, o carismático John Smith, conhece Pocahontas e ambos se apaixonam, desafiando os limites impostos por seus mundos distintos. Juntos, passam a enxergar que a convivência entre culturas diferentes não precisa ser marcada por conflito.

O desejo de alcançar outra indicação ao Oscar de Melhor Filme fez com que o estúdio priorizasse “Pocahontas” sobre outros projetos, inclusive um então modesto filme chamado “O Rei Leão”. A história original foi reformulada por razões evidentes, abandonando fases iniciais que incluíam elementos mais próximos da realidade histórica — como a idade de Pocahontas e a barreira linguística — em favor de uma narrativa mais romanceada, adulta e sensual, adequada à proposta de um drama épico.

Na mesma época, o cinema norte-americano começou a retratar personagens indígenas com maior humanidade, ainda que envoltos em estereótipos persistentes. “Pocahontas” marcou o fim desse movimento, cansando parte do público antes mesmo de seu lançamento. O filme, assim, se tornou símbolo não apenas da queda da Renascença Disney, mas também do esgotamento dessa breve onda de produções com temática indígena.

Dirigido por Eric Goldberg, um dos animadores mais notáveis da Disney, o filme tenta se posicionar mais como uma obra de arte do que como simples entretenimento. A animação, especialmente nas cenas protagonizadas por Pocahontas e em seu principal número musical, bebe diretamente da linguagem visual consagrada em “A Bela e a Fera”. O maior desafio de “Pocahontas”, no entanto, está em seu tom: a produção tenta abordar temas sérios como racismo e genocídio, mas sem abrir mão dos elementos tradicionais da Disney, como animais engraçadinhos e mascotes cômicos que muitas vezes desviam o foco da narrativa principal.

A história também apresenta traços de ecologismo, ainda que de forma superficial e, por vezes, contraditória — um problema comum em outras produções do gênero. Apesar de seus inúmeros problemas, “Pocahontas” é um filme inofensivo, mas que vive aquém do potencial que poderia ter alcançado nas versões iniciais de seu desenvolvimento. O filme conquistou o Oscar de Melhor Canção Original por “Colors of the Wind”, que por si só é um divisor de águas dentro do próprio filme.

“Pocahontas” é, ao mesmo tempo, uma tentativa ambiciosa e um reflexo das limitações da Disney em lidar com temas historicamente densos sob a ótica de uma fórmula já consolidada. Ao tentar equilibrar romance, crítica social e a estética mágica que consagrou seus clássicos, o estúdio produziu uma obra visualmente bela, mas dramaticamente frágil. Se por um lado o filme representa um esforço sincero de renovação temática, por outro, escancara a dificuldade de se tratar assuntos complexos em um molde que exige finais felizes, canções contagiantes e mascotes adoráveis. Assim, “Pocahontas” tornou-se um marco ambíguo: um ponto de virada que selou o fim de uma era dourada e o início de um novo ciclo de incertezas para a animação tradicional da Disney.