Como a história do fundador do circo moderno poderia ainda cativar espectadores curiosos?

No mundo atual, o circo muitas vezes é visto como uma forma ultrapassada de entretenimento, marcada por um passado controverso envolvendo abusos contra animais e a exploração de pessoas marginalizadas. Em 2017, por exemplo, o mais tradicional e grandioso circo do mundo, o Ringling Brothers, encerrou suas atividades após mais de 140 anos em funcionamento. Curiosamente, nesse mesmo ano, estreou um musical que reconta — ainda que de forma bastante livre — a história de seu fundador, servindo como um verdadeiro curtain call para a era dos grandes circos e, ao mesmo tempo, como prenúncio da ascensão de uma nova fase para os musicais contemporâneos: The Greatest Showman.

Dirigido por Michael Gracey e estrelado por Hugh Jackman, The Greatest Showman é uma ode ao poder do espetáculo, da imaginação e da inclusão. Inspirado na vida de P.T. Barnum, considerado o “pai do show business” e uma figura central no entretenimento do século XIX, o filme transforma sua trajetória em uma narrativa de superação, diversidade e pertencimento. Com trilha sonora pop composta por Benj Pasek e Justin Paul, o longa aposta em uma experiência audiovisual vibrante e emocional, ainda que suavize aspectos controversos da figura histórica que o inspira.

No enredo, Phineas Barnum é retratado como um sonhador determinado a ser aceito pela alta sociedade e proporcionar uma vida luxuosa para sua esposa e filhas. Para isso, ele se une a pessoas marginalizadas — os chamados freaks — e, com a ajuda do jovem herdeiro Phillip Carlyle, cria uma nova forma de entretenimento acessível a todas as idades. Barnum está prestes a conquistar tudo o que sempre sonhou, mas seu sucesso cobra um preço alto: a possibilidade de perder aquilo que realmente importa.

Figura controversa na cultura dos Estados Unidos, Barnum foi, na realidade, um homem de negócios astuto e, muitas vezes, trapaceiro. No filme, no entanto, ele é convertido em um galã inspirador, interpretado com carisma por Hugh Jackman. A narrativa toma rumos criativos para justificar ou simplesmente omitir suas ações mais problemáticas, levantando debates sobre a responsabilidade da ficção ao retratar personagens históricos — especialmente em um gênero tão fantasioso quanto o musical. Ainda assim, o filme possui charme e personalidade, funcionando como uma metáfora do próprio universo circense: deslumbrante, imperfeito e emocionalmente envolvente.

Apesar da recepção mista por parte da crítica, The Greatest Showman foi amplamente aclamado pelo público graças a suas músicas cativantes, criatividade visual e a proposta de oferecer entretenimento leve e inspirador. O longa também marcou o retorno de Zac Efron e Michelle Williams ao gênero musical, com números ora energéticos, ora sensíveis, sempre conduzidos com muito carisma. Zendaya e Rebecca Ferguson completam o elenco coadjuvante — sendo que Ferguson entrega uma performance marcante, mesmo que dublada (lip-synced) com perfeição. Já Keala Settle, vinda da Broadway, é responsável pelos momentos mais potentes da obra, com uma voz capaz de emocionar profundamente.

Canções como “This Is Me”, “Rewrite the Stars” e “The Greatest Show” rapidamente se tornaram favoritas do público, impulsionando o sucesso do filme. A performance de Keala Settle em “This Is Me”, em especial, ganhou reconhecimento internacional e transformou-se em símbolo de empoderamento para grupos marginalizados. Embora inseridas em um contexto anacrônico, as músicas modernizam o gênero musical, tornando-o mais acessível às novas gerações, com números que se assemelham a videoclipes contemporâneos.

The Greatest Showman não pretende ser um retrato fiel de seu protagonista, mas sim uma fábula moderna que reimagina a figura do showman como símbolo do poder transformador da arte — e da trapaça. Seu sucesso revela o apelo duradouro de histórias sobre aceitação e superação. Como o próprio circo, é um espetáculo que convida o público a deixar a realidade do lado de fora da lona para embarcar em um universo onde o sonho — e o show — nunca podem parar.

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