Luca Guadagnino é um cineasta que, embora seguro em suas empreitadas, oferece diferentes tipos de histórias — contos de descoberta, ambição e evolução. Guadagnino ganhou notoriedade com ‘Me Chame Pelo Seu Nome’, filme que alçou Timothée Chalamet ao estrelato ao narrar o amor de verão de um adolescente na década de 1980. Seu trabalho mais recente, ‘Queer’, reconta a relação entre dois homens distintos, unidos por questões existenciais e desventuras sexuais.
Ambientado no México da década de 1940, ‘Queer’ acompanha Lee, um expatriado americano autodestrutivo, mergulhado em um universo de tédio, álcool e obsessões. Interpretado por Daniel Craig, Lee surge como um espectro de si mesmo: desiludido, sarcástico, permanentemente deslocado. Sua vida muda com a chegada de Allerton (Drew Starkey), um jovem ex-soldado que se torna objeto de seu fascínio e de noites regadas a sexo. A relação entre os dois, permeada por silêncios, evasivas e uma constante assimetria de afetos, constitui o centro emocional do filme — ou melhor, seu epicentro instável, onde tudo está prestes a ruir.
Guadagnino evita a narrativa tradicional de amor e redenção que o consagrou em ‘Me Chame Pelo Seu Nome’ . Em vez disso, mergulha no desconforto e na angústia de um homem que deseja mais do que pode ter, projetando no outro uma salvação que provavelmente nunca chegará. A linguagem corporal de Craig — muitas vezes patética — transmite com crueza o desespero de alguém que anseia por algo simples: afeto. Seu Lee é um homem fora de tempo e de lugar, cuja homossexualidade mal resolvida se manifesta por meio de manipulação, ciúmes e um narcisismo ferido. Há algo de tragicômico em sua obsessão por Allerton, um jovem cuja indiferença é ao mesmo tempo fascinante e cruel.
O roteiro opta por uma abordagem fragmentária, como se fosse o diário de Lee: notas soltas, lembranças deformadas pelo álcool, alucinações. A narrativa oscila entre a objetividade e a loucura, acompanhando a lenta deterioração psicológica do protagonista. ‘Queer’ não trata a homossexualidade como celebração, mas como impulso que desloca e marginaliza. Lee é um homem em guerra consigo mesmo.
A performance de Drew Starkey é marcada por uma ambiguidade inquietante. Seu Allerton é um personagem elusivo, quase como uma enguia. Em certos momentos, parece corresponder aos sentimentos do protagonista; em outros, desaparece por completo, deixando apenas o eco de sua presença. Essa indefinição deliberada reforça o tom do filme. O elenco conta ainda com Jason Schwartzman e Lesley Manville em papéis coadjuvantes.
Em sua essência, ‘Queer’ é uma meditação sobre alienação e identidade — não a alienação política ou existencial, mas aquela íntima, que nos distancia do outro justamente quando mais ansiamos por proximidade. O filme era uma das apostas frustradas de Guadagnino para a temporada de premiações de 2025, mas recebeu reconhecimento pela atuação de Daniel Craig, em um trabalho surpreendente.
Longe de ser um filme fácil ou convencional, ‘Queer’ reafirma o talento de Luca Guadagnino como um cineasta profundamente interessado na geografia do desejo — não o desejo resolvido ou correspondido, mas aquele que arde em silêncio, que corrói, que se arrasta como febre. Um filme hipnótico, incômodo e, paradoxalmente, belo.