No Oscar de 1992, Liza Minnelli e Shirley MacLaine subiram ao palco para anunciar os indicados e o vencedor da categoria de Melhor Canção Original. A vencedora foi a balada “Beauty and the Beast”, do filme ‘A Bela e a Fera’, que, aliás, concorria com outras duas músicas na mesma categoria. O que deveria ser um momento de celebração é lembrado com melancolia: Howard Ashman, letrista de ‘A Bela e a Fera’, havia falecido meses antes da finalização do filme, vítima de complicações da AIDS. Na cerimônia, foi representado por seu parceiro. Ashman foi peça fundamental na redefinição da chamada Renascença Disney e na forma como a música passou a ser integrada aos filmes de animação.
Howard Ashman nasceu em 17 de maio de 1950, em Baltimore, Maryland, e desde cedo demonstrou um profundo amor pelas palavras, pela música e pelo teatro. Formado em dramaturgia, sua trajetória parecia apontar naturalmente para os palcos de Nova York. Ao lado de Alan Menken, foi o responsável pelas canções do musical ‘A Pequena Loja dos Horrores’, baseado em um filme B da década de 1950. As músicas da dupla foram fundamentais para o sucesso do espetáculo na Broadway e para sua posterior adaptação cinematográfica, que rendeu aos dois a primeira indicação ao Oscar.
Após alguns anos dedicados ao teatro, Menken e Ashman chamaram a atenção da Disney, que buscava revitalizar seu setor de animação. A primeira colaboração com o estúdio foi ‘Oliver & Company’ (1988), mas foi com ‘A Pequena Sereia’ (1989) que sua importância ficou incontestável. Ashman não apenas escreveu as letras das canções como também influenciou profundamente a estrutura narrativa do filme, adaptando a linguagem dos musicais da Broadway ao universo da animação. Foi dele a máxima que guiaria toda uma geração de filmes animados: quando as emoções são grandes demais para serem ditas, nasce a canção; e quando a música já não basta, começa a dança.
Em ‘A Pequena Sereia’, Ashman deixou transparecer suas vivências como homem gay. “Parte do Seu Mundo” encaixa-se perfeitamente na trama, mas também pode ser lida como uma metáfora para quem não se sente pertencente a um mundo heteronormativo. Já “Poor Unfortunate Souls” foi inspirada em performances drag. Foi durante a produção desse filme que Ashman recebeu o diagnóstico de HIV — e por ele conquistaria seu primeiro Oscar.
Nos anos seguintes, enquanto sua saúde física declinava, sua influência artística crescia. Ashman foi essencial no desenvolvimento de ‘A Bela e a Fera’ (1991), defendendo desde o início que o filme deveria seguir o formato de musical da Broadway — uma decisão que se provaria crucial para seu sucesso crítico e comercial, mudando para sempre o status das animações. Todo o elenco, de Paige O’Hara a Angela Lansbury, reconhece que, sem a presença e o olhar musical de Ashman, ‘A Bela e a Fera’ teria sido um filme completamente diferente — e talvez bem menos marcante.
A doença, no entanto, avançava de forma devastadora. Jeffrey Katzenberg, então executivo da Disney, criou uma unidade de produção em Nova York para que Ashman pudesse continuar trabalhando no longa durante o tratamento. Howard Ashman faleceu em 14 de março de 1991, aos 40 anos, poucos meses antes da estreia do filme, que lhe renderia um Oscar póstumo pela canção-título. Ao fim de ‘A Bela e a Fera’, uma dedicatória simples, mas comovente, eterniza seu impacto
“Para Howard, que deu a uma fera uma alma e a uma sereia sua voz.”
Sua morte precoce privou o mundo de muitos anos de potencial criativo, mas seu legado permanece imortal. A chamada “Renascença Disney” — que inclui ainda *Aladdin* (1992), cuja produção ele chegou a iniciar — carrega sua marca registrada: histórias com coração, humor e canções perfeitamente integradas à narrativa. Mais do que revitalizar um estúdio ou criar sucessos de bilheteria, Howard Ashman redefiniu o que a animação podia ser: não apenas entretenimento infantil, mas arte capaz de tocar públicos de todas as idades. Sua breve existência foi uma ode ao sonho, ao amor e à coragem criativa — um farol que ainda hoje ilumina os contos de fadas que ele ajudou a cantar.