‘Crepúsculo dos Deuses’ é, de longe, um dos filmes clássicos mais importantes da indústria norte-americana, servindo como um raro retrato das consequências brutais que o cinema impõe aos seus mais leais arautos. O longa originou um musical — famoso por ter gerado uma rivalidade unilateral entre Patti LuPone e Glenn Close — e consolidou a carreira de Billy Wilder. No entanto, talvez o maior legado do filme de 1950 tenha sido a criação de sua protagonista: Norma Desmond. Setenta e cinco anos após seu lançamento original, o arquétipo popularizado por Norma, “a estrela caída”, permanece extremamente atual, e sua performance integra a lista das principais atuações do cinema clássico.
No filme, Norma Desmond é uma atriz do cinema mudo reclusa em seu próprio mundo, acreditando ainda ser idolatrada por uma legião de fãs que já não existe. Abandonada pelo público após o advento dos filmes falados e com o avançar da idade, ela se une ao roteirista fracassado Joe Gillis para tentar retornar às telas, seu palco favorito. Contudo, Norma mergulha em uma espiral cada vez mais profunda de desilusão e isolamento.
Interpretada por Gloria Swanson, uma das maiores estrelas da era do cinema mudo, Norma representa uma das primeiras instâncias em que Hollywood critica a si mesma — ou, mais precisamente, os executivos que, ao longo dos anos, maltrataram e descartaram artistas. A mansão decadente em que Norma vive, apelidada de “elefante branco”, reforça o simbolismo de que os rostos expressivos do cinema mudo foram substituídos por monólogos e falas afiadas. Norma é uma figura parada no tempo que a consagrou — a época dos filmes mudos —, recusando-se a envelhecer, tanto no sentido figurado quanto literal.
Atriz e personagem, porém, não poderiam ser mais diferentes: Gloria Swanson foi uma das poucas estrelas que não desapareceram imediatamente com a chegada dos filmes falados, preferindo, com o tempo, reduzir seu envolvimento com o cinema. Para compor Norma Desmond, Gloria sugeriu cenas que a tornassem mais humana e vulnerável, além de ceder fotos e filmes de sua juventude para a construção detalhada da personagem fictícia. Seu retorno triunfal em ‘Crepúsculo dos Deuses’ mudou para sempre sua carreira: sua imagem passou a ser indissociável da diva ameaçadora que interpretou, e quase todos os papéis oferecidos a ela depois tentaram reproduzir o sucesso obtido sob a direção de Wilder. Sua atuação lhe rendeu a terceira indicação ao Oscar de Melhor Atriz, e sua derrota para Judy Holliday é, até hoje, considerada uma das grandes injustiças da história da premiação.
Norma Desmond e Margo Channing — personagem de Bette Davis em ‘A Malvada’, lançado no mesmo ano — representam, de maneira afiada e brutal, como o mundo do entretenimento tratava mulheres vistas como descartáveis ao perderem seu protagonismo. A dramaticidade da atuação de Swanson, com tons de sátira, inspirou o gênero conhecido como “Hagsploitation”, que dava espaço a atrizes mais velhas para interpretarem versões fictícias, insanas e autocríticas de si mesmas, abordando de forma nada sutil o etarismo em Hollywood. Uma contraparte moderna de Norma Desmond surgiu em 2025 com Elizabeth Sparkle, protagonista do filme ‘A Substância’, interpretada por Demi Moore.
A atuação de Gloria Swanson como Norma Desmond, mesclando o estilo exagerado do cinema mudo com nuances dramáticas, tornou-se um ícone na ficção, inspirando inúmeros personagens — satíricos ou não — e exercendo profunda influência na cultura drag. Sua fala final, “Está bem, Sr. DeMille, estou pronta para o meu close-up”, permanece como uma das citações mais célebres da história do cinema.
Norma Desmond não é apenas um reflexo sombrio da glória passada; ela é também um espelho da sede insaciável de relevância e fama, que, mesmo em seus momentos mais trágicos, ressoa intensamente com o público contemporâneo. Sua presença inabalável prova que certas histórias, assim como certas estrelas, jamais se apagam, não importa o quanto executivos e figurões tentem .