Em maio de 2023, chega aos cinemas a aguardada versão em live action de A Pequena Sereia, dirigida por Rob Marshall (Chicago; Mary Poppins Returns). A protagonista Ariel ganha vida sob os traços e a voz da cantora Halle Bailey. No elenco de apoio estão Javier Bardem, Awkwafina e Jacob Tremblay, mas quem monopoliza as expectativas é Melissa McCarthy como Úrsula, a inesquecível bruxa do mar.
Úrsula sempre foi uma das vilãs mais marcantes da Disney Animation: mesmo com tempo de tela reduzido, ela rouba a cena graças ao design opulento, ao número musical “Poor Unfortunate Souls” – de sabor deliciosamente camp – e à interpretação inigualável de Pat Carroll (na dublagem original) e Zezé Motta (na versão brasileira). Nesta releitura, espera‑se que Melissa McCarthy acrescente novas camadas à personagem, reforçando seu status de ícone queer.
Diferentemente de muitos vilões da era clássica, cuja codificação “gay” servia apenas de subtexto para driblar a censura do Código Hays, Úrsula transpôs de vez essa barreira: seu temperamento escandaloso, suas poses dramáticas e seu humor sarcástico foram cuidadosamente inspirados em grandes nomes da cultura drag. Assim, ela passou de simples vilã animada a símbolo explícito de extravagância e poder feminino.
O traço marcante de Úrsula surgiu sobretudo ao se conhecer a drag queen Divine, musa dos filmes subversivos de John Waters (Pink Flamingos; Female Trouble). A maquiagem exagerada, o glamour decadente e a fisicalidade performática de Divine tornaram‑se referência incontornável para a criação da Bruxa do Mar.
Além de Divine, outras divas foram fundamentais para forjar a personalidade de Úrsula: as lendárias Joan Crawford e Tallulah Bankhead, assim como as personagens Norma Desmond (Sunset Boulevard, 1950) e a Joan Crawford retratada em Mommie Dearest (1981). Seus gestos amplificados, reações teatrais e olhares cortantes serviram de guia para Pat Carroll dar voz e movimento à vilã.
Howard Ashman e Corações Infelizes
Por trás das canções inesquecíveis de A Pequena Sereia, estava o compositor e letrista Howard Ashman, autor, com Alan Menken, de um repertório criado em paralelo ao roteiro. Ashman, que compôs “Poor Unfortunate Souls” inspirado na cultura drag, homenageou seus amigos performers ao inserir nuances de estola, dramatização vocal e paus teatrais. Sua sensibilidade queer, interrompida tragicamente pela sua morte em 1991 em decorrência de complicações da AIDS, ecoa até hoje em cada acorde.
Desde 1989, a presença de Úrsula na cultura drag só se fortaleceu: innumeráveis queens ao redor do mundo reinterpretaram seu visual e canções em performances e concursos de lipsync. Essa influência interna e externa reforça seu lugar como “ícone gay” e celebra o poder da arte drag na desconstrução de padrões.
A escolha de Melissa McCarthy surpreendeu quem aguardava uma drag queen de renome no papel, mas poucos sabem que, antes da fama em Hollywood, ela já se aventurava no palco como Miss Y. Essa faceta menos divulgada pode trazer à sua interpretação de Úrsula uma autenticidade inesperada e uma empatia singular pela personagem.
Agora, resta aguardar até maio para descobrir se esta nova Úrsula corresponderá ao legado bombástico, decadente e deliciosamente malévolo que conquistou gerações.