Hollywood ama figuras trágicas
Histórias de personalidades que morreram jovens, não tiveram finais felizes ou lutaram em vão contra a sociedade em que viviam são as queridinhas de público e crítica — porque, sejamos honestos, somos um bando de urubus. A indústria do entretenimento, especialmente a norte-americana, adora explorar essas trajetórias interrompidas, muitas vezes tomando liberdades criativas para forçar paralelos com a atualidade de maneira nada sutil.
Não é por acaso que narrativas envolvendo figuras como Diana Spencer, Sharon Tate e outras ganham tanto destaque durante a temporada de premiações. É como se Hollywood tentasse, de forma distorcida, se redimir: “Te tratamos como lixo por anos, mas agora reconhecemos o quão talentosa você era… foi mal.” E poucas figuras se encaixam tão bem nesse molde quanto Marilyn Monroe.
Desde sua morte, em 1962, Marilyn foi tema de centenas de filmes, séries e documentários. O mais recente, Blonde (estrelado por Ana de Armas), lançado pela Netflix, apresenta mais uma versão ficcional e extremamente gráfica de sua vida. Sua memória é frequentemente desrespeitada, e sua imagem, explorada em nome da fama ou de algum conceito pretensamente artístico.
Hoje, gostaria de refletir um pouco sobre essa estrela trágica — explorada por Hollywood até mesmo depois de seu fim.
De Norma a Marilyn
Norma Jeane Mortenson nasceu em 1926, em meio à Grande Depressão, e teve uma infância marcada por instabilidade e lares adotivos. Casou-se pela primeira vez aos 16 anos e, em 1946, divorciou-se assim que assinou seu primeiro contrato com a 20th Century Fox, adotando o nome que entraria para a história: Marilyn Monroe. Nos anos seguintes, fez papéis menores, incluindo uma participação no premiado All About Eve (1950).
Em 1953, protagonizou um de seus filmes mais icônicos, Os Homens Preferem as Loiras, ao lado de Jane Russell. No longa, interpretava Lorelei, uma cantora obcecada por diamantes envolvida no roubo de uma tiara. O sucesso da comédia musical impulsionou sua carreira, mas também a prendeu a um estereótipo que ela passaria o resto da vida tentando superar: o da loira fatal. Apesar disso, seu estrelato se consolidou com títulos como Como Agarrar um Milionário, O Pecado Mora ao Lado e a comédia hilária Quanto Mais Quente Melhor. Sua vida pessoal era tão conturbada quanto sua carreira: em 1954, casou-se com o ex-jogador de beisebol Joe DiMaggio, união que durou menos de um ano. Em 1956, casou-se com o dramaturgo Arthur Miller.
E, claro, há o famoso caso com um certo presidente dos Estados Unidos: John F. Kennedy, para quem cantou em seu aniversário.
Declínio e morte
Como muitas atrizes da época, Marilyn enfrentava vícios — álcool, analgésicos, barbitúricos — e passou a ser considerada difícil nos bastidores. Seus filmes já não geravam tanto lucro, e os traumas acumulados desde a infância começaram a cobrá-la. O casamento conturbado com Miller apenas agravava seu estado emocional.
É sabido que as produções com Monroe eram marcadas por tensão. Lauren Bacall, sua colega em Como Agarrar um Milionário, dizia que contracenar com ela era quase impossível — não por ser desagradável, mas por sua insegurança. Marilyn exigia diversos takes até que alguém (escolhido por ela) lhe concedesse um “selo de aprovação”.
Mesmo tentando diversificar seus papéis, Marilyn estava presa a personagens decorativas, moldadas pelo desejo masculino, sempre com uma frase espirituosa ou um figurino provocante. Quando conseguiu escapar desse molde, foi aclamada pela crítica. Truman Capote chegou a escolhê-la como sua favorita para interpretar Holly Golightly na adaptação de Breakfast at Tiffany’s, papel que acabou com Audrey Hepburn. Seu último filme, The Misfits (roteirizado por Miller), estreou em 1961 e também marcou o fim da carreira de Clark Gable, que morreu logo após as filmagens. Os dois dividem a cena final do filme — e ela é especialmente tocante à luz do contexto.
Em 4 de agosto de 1962, Marilyn Monroe foi encontrada morta em seu quarto, aos 36 anos, vítima de uma overdose de barbitúricos. Considerando seu histórico de depressão e saúde mental fragilizada, a hipótese de suicídio foi imediatamente ventilada. Ao longo das décadas, a possibilidade de overdose acidental também foi considerada. Teorias conspiratórias envolvendo os irmãos Kennedy — John e Robert — continuam a alimentar especulações sobre sua morte repentina.
Legado
Mais de sessenta anos após sua morte, Marilyn Monroe permanece como uma das figuras mais icônicas da cultura pop. Qualquer menção à sua imagem — da silhueta às curiosidades de sua rotina — ainda atrai público como poucas outras conseguem.
A clássica cena em que canta Diamonds Are a Girl’s Best Friend, usando um vestido rosa, foi homenageada e parodiada inúmeras vezes: por Madonna em Material Girl, por Nicole Kidman em Moulin Rouge, e, mais recentemente, por Margot Robbie em Birds of Prey. A cena de O Pecado Mora ao Lado, em que seu vestido branco é levantado pelo vento do metrô, também se tornou uma das imagens mais replicadas da história do cinema. Sua figura magnética, vida atribulada e morte precoce transformaram Monroe em objeto constante de documentários e cinebiografias — muitas vezes marcados por superficialidade e sensacionalismo. O número de produções insensíveis sobre ela é imenso, mas servem, ironicamente, como trampolim para atrizes em busca do tão cobiçado Oscar.
O que veio após sua morte reflete, em muitos aspectos, o que viveu em vida. Esse talvez seja o verdadeiro legado de Marilyn Monroe: uma figura trágica, extremamente admirada, mas também profundamente explorada. Uma das estrelas mais famosas do mundo, travando batalhas diárias contra si mesma, sem controle sobre sua vida, sua carreira ou sua própria imagem.