Vivemos em um tempo onde a comunicação imediata domina nosso cotidiano. Mensagens de texto em tempo real, toneladas de conteúdo sendo postadas a cada segundo e essa loucura de engajar e ser visto como sinônimo de sucesso estão aí, ditando as regras. É o que respiramos todos os dias, principalmente agora, em 2024. Eu mesmo não consigo escapar: compartilhar opiniões sobre filmes, séries, livros ou jogos virou quase uma extensão da nossa identidade online. Mas é aí que entra um fenômeno interessante, e muitas vezes frustrante: a tal da “cultura do spoiler”.

O que é um spoiler? Basicamente, é quando alguém solta um detalhe importante sobre o enredo de uma obra antes de você ter a chance de experienciá-la. Para alguns, isso é imperdoável, uma espécie de “crime” contra o entretenimento. Para outros, é só empolgação, uma forma de compartilhar algo que acham incrível. Eu entendo ambos os lados. Ninguém gosta de ter uma surpresa arruinada, mas, ao mesmo tempo, vivemos em uma época onde compartilhar experiências faz parte de como aproveitamos uma história. A questão é: até onde isso é problema de quem compartilha, e até onde é responsabilidade de quem consome?

WICKED | Wharton Center for Performing ArtsPegando um exemplo recente, vamos falar de Wicked – Parte 1. Estamos falando de um filme que adapta o primeiro ato de um musical da Broadway de 2003, que por sua vez é baseado no livro homônimo de 1995 do autor Gregory Maguire, que também foi inspirado no clássico filme de 1939 O Mágico de Oz, que é uma adaptação de um livro de 1900. Ou seja, não é exatamente um conteúdo novo, certo? O musical está em cartaz há mais de 20 anos, e muita gente já teve acesso a ele em diferentes formatos, inclusive suas músicas sendo referenciadas em diversos materiais da cultura pop como a cena de Glee onde os personagens cantam Defying Gravity. Eu acho que isso torna Wicked quase parte do senso comum da cultura pop. Todo mundo já sabe o básico da história – ou, pelo menos, deveria saber. Mas, mesmo assim, ainda tem gente que fica furiosa com spoilers relacionados à trama e ao que vem por ai no segundo ato que estreará em 2025 nas telonas. Por que isso acontece?

Esse comportamento reflete algo maior: a cultura “anti-spoiler” virou, muitas vezes, um conservadorismo frustrado. Vou ser direto: acho que isso está atrapalhando as conversas sobre cultura midiática. Quer um exemplo? Lembra quando Game of Thrones era a série mais comentada do momento? Toda vez que saía um episódio, o Twitter – ou melhor, o X agora – virava um caos de discussões. E aí acontecia aquele drama clássico: alguém que não viu o episódio, mas sabia que ele já havia sido lançado, decidia entrar nas redes sociais, via as discussões e começava a reclamar porque “tomou spoiler”. Eu sempre me perguntei: por que essa pessoa simplesmente não evitou entrar na rede social naquele momento? É uma escolha, sabe? Reclamar de spoilers numa plataforma feita para discussões é como entrar numa festa cheia de balões e reclamar que estão estourando balões.

Um exemplo sobre esse tipo de interação.

Agora, falando de como equilibrar isso, entra um ponto interessante: “Se você quer falar sobre algo que acabou de assistir, pense em como fazer isso sem estragar a experiência de quem ainda não viu. É um jogo de respeito mútuo.” Mas será que é tão simples assim? A ideia de “não estragar a experiência” é muito subjetiva. Existem pessoas que não se importam com spoilers e até os consideram parte da experiência. Para elas, a informação é só uma peça de um quebra-cabeça maior, que inclui imagem, som, técnica e narrativa. Pegue como exemplo o filme O Sexto Sentido (1999). Se você assiste pela primeira vez e descobre no final que o personagem do Bruce Willis estava morto o tempo todo, isso é impactante. Porém, quando você reassiste sabendo disso, começa a perceber nuances, pistas e detalhes que enriquecem a obra. Saber de antemão que o personagem principal está morto pode ser frustrante para uns, mas instigante para outros.

Outro caso interessante é a relação familiar entre Jinx e Vi, ou melhor, Powder e Violet, como são chamadas inicialmente na série Arcane. Para quem jogava League of Legends, já havia um conhecimento prévio de que elas eram irmãs e tinham uma conexão profunda e conturbada. Porém, na série, essa relação ganha camadas emocionais muito mais intensas, com conflitos que vão desde a perda até a traição e a redenção. Para quem já sabia disso, os spoilers não diminuem o impacto, pois o mais relevante é como a história constrói essa relação com tanto cuidado. Já para quem não sabia, descobrir isso durante a série pode transformar completamente a experiência. Aqui, vemos como algo que parece um “pequeno detalhe” pode ter significados muito diferentes dependendo de quem consome.

Essa cultura “anti-spoiler”, por mais que tenha a intenção de proteger experiências, também limita a liberdade tanto do indivíduo quanto da própria produção no quesito comunicacional. Se ficamos tão preocupados em evitar qualquer revelação, acabamos engessando as conversas e a análise mais profunda de obras culturais. Acho que o ponto central é entender que cada pessoa consome narrativas de um jeito único. Se você não quer spoiler, talvez a responsabilidade seja sua de evitar espaços onde eles possam surgir. Por outro lado, se você quer falar sobre algo, vale refletir sobre o público que está ouvindo e ajustar sua abordagem. É um equilíbrio difícil, mas necessário. Afinal, o que torna uma narrativa valiosa não é só o que acontece, mas como ela ressoa em cada pessoa.

 

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