Sendo parte do universo canônico de Sandman (2023), a mais nova série da Netflix, intitulada “Dead Boy Detectives”, chegou para enriquecer e expandir esse rico mundo criado por Neil Gaiman. Embora tenhamos tido uma aparição do trio “assombrado” em Doom Patrol (2019 – 2023), essa adaptação contempla de forma mais sensível e interpessoal as aventuras de Charles Rowland (Jayden Revri) e Edwin Paine (George Rexstrew) na situação pós-morte em que se encontram, também sendo auxiliados por Crystal Palace (Kassius Nelson), uma jovem médium que teve suas memórias roubadas por um demônio.

A série possui um enredo leve, divertido e com algumas pitadas de drama que desenvolvem as características de todos os personagens envolvidos, proporcionando uma dimensão nova em contraponto a Sandman e até mesmo a Good Omens (2019 – presente), apesar de não fazer parte do mesmo universo. Por conta dessa formatação, a narrativa consegue se desenvolver em dois núcleos diferentes e convergentes ao mesmo tempo: a questão antológica em relação aos casos sendo investigados pela equipe; a questão da jornada de desenvolvimento dos personagens perante as objeções externas e os conflitos interpessoais que circundam a situação em que se encontram na pequena cidade de Port Townsend, Washington.

Em meio a trancos e barrancos enfrentados, os personagens se desenvolvem de forma fluída, explorando aspectos cruciais de suas respectivas narrativas em prol de um objetivo maior: ajudar aqueles que possuem assuntos inacabados. Essa perspectiva que a série aborda, juntamente com os dramas que circundam nosso elenco de protagonistas (não conseguiria definir nenhum dos personagens secundários como coadjuvantes, e sim como protagonistas, pois cada arco é trabalhado de forma brilhante para mostrar o potencial de cada um).

Por mais que a série tenha como abordagem a morte como temática principal, vários assuntos de cunho realista são trabalhados de forma coesa e responsável: abuso psicológico e físico, sexualidade, raiva, ressentimento, culpa e até mesmo aspectos da moralidade de cada personagem são discutidos através da retomada de seus passados em contraponto com o que é apresentado no tempo presente.

É impossível citar o elenco sem mencionar as ilustres aparições dos perpétuos de Sandman. Começando pela cena de abertura que já mostra a nossa querida Morte (Kirby Howell-Baptiste), que brilha com sua empatia e carisma, demonstrando ainda mais como funciona sua existência pelo ponto de vista daqueles que já se foram e não por outro perpétuo. Também temos a aparição da Desespero (Donna Preston) em uma cena emblemática, na qual mostra de forma mais ampla sua personagem e a maneira com que ela se porta nesse universo diante dos meros mortais, com enfoque na entrega do carisma melancólico e cruel da personagem, junto a uma caracterização que é fidedigna aos anseios da nossa realidade como pessoas no século XXI.

Em um mix de humor ácido, dramas pertinentes e uma filosofia sobre o amor (em todos os seus níveis de definição), essa obra consegue abraçar de forma cativante o conceito de companheirismo de forma sublime. As atuações, por mais que os atores sejam relativamente novos na área, são muito cativantes e permitem a entrega de uma narrativa extremamente divertida, conseguindo equilibrar os tons mais escuros com os tons mais claros da história de forma sólida e com uma fluidez admirável.

Dead Boy Detectives brilha ao entregar o que se propõe, buscando explorar aspectos profundos do cerne de cada personagem em abordagens episódicas que se interligam para a construção de algo maior. O nível de detalhes que a obra apresenta e o cuidado para que cada elemento, mesmo que seja exibido em apenas alguns frames (e com contexto sendo resgatado), possa ser utilizado ao decorrer da história para agregar um sentido mais profundo a essa “aventura fúnebre”. Esta é uma série para assistir e reassistir várias vezes, pois sua mescla de humor e tragédia, junto a atuações memoráveis, torna esta obra uma pequena jóia escondida no imenso catálogo da Netflix.

 

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