Charles Chaplin ganhou notoriedade por seus papéis cômicos no cinema mudo, especialmente com o personagem “Carlitos”, que se tornou um dos ícones mais reconhecíveis da cultura pop por suas peripécias e confusões. Embora a comédia tenha sido o gênero pelo qual muitos conheceram Chaplin, um de seus filmes mais marcantes combina o riso com uma crítica mordaz em meio a um cenário de guerra que moldaria a história moderna. “O Grande Ditador” zomba de um dos maiores tiranos da humanidade enquanto convida a profundas reflexões.

No enredo, o ditador Adenoid Hynkel governa Tomainia, com o objetivo de criar uma raça pura e eliminar os judeus. Ele planeja invadir a nação vizinha de Osterlich e, para isso, busca uma aliança com o inepto ditador da Bacteria, Benzino Napolini. Paralelamente, um barbeiro judeu com amnésia vive suas desventuras em um gueto.

Chaplin começou a escrever o roteiro em 1937, quando Hitler já havia consolidado seu poder na Alemanha e o fascismo se espalhava pela Europa. Conta-se que Chaplin achou – por razões não totalmente claras – o filme de Leni Riefenstahl, ‘O Triunfo da Vontade’, extremamente cômico devido à sua escala grandiosa e absurda. Naquele período, muitos na indústria cinematográfica hesitavam em criticar abertamente o regime nazista; embora o autoritarismo fosse evidente, as atrocidades ainda eram, em grande parte, desconhecidas pelo Ocidente.

Quando o filme foi lançado, em 1940, a Segunda Guerra Mundial já havia começado com a invasão da Polônia por Hitler. “O Grande Ditador” tornou-se, assim, um dos primeiros ataques diretos ao nazismo no cinema ocidental. A construção do duplo protagonismo é um dos pontos altos da obra. Chaplin interpreta tanto o tirano Adenoid Hynkel quanto o barbeiro judeu. Hynkel é retratado em um tom farsesco, e o filme ridiculariza exageros associados à figura de Hitler, sem, no entanto, ignorar os perigos que ele representava. A famosa cena em que Hynkel dança com um globo inflável simboliza sua megalomania de forma grotesca e satírica.

O humor físico de Chaplin – lapidado ao longo de décadas no cinema mudo – continua preciso, mas aqui serve a um propósito maior: expor ao ridículo o culto à autoridade. Ainda assim, “O Grande Ditador” não se limita à sátira. É também um filme-denúncia. A perseguição ao barbeiro judeu e à sua vizinhança mostra, ainda que de maneira simbólica, o antissemitismo institucionalizado. Embora Chaplin não conhecesse, à época, toda a extensão do Holocausto – e tenha declarado posteriormente que, se soubesse, talvez não tivesse feito o filme –, ele antecipa, com impressionante precisão, os mecanismos de desumanização que levariam ao genocídio: a brutalidade dos soldados, a proibição a negócios judeus, os guetos.

Há, no entanto, uma tensão fundamental entre a esperança no poder da palavra e os limites da arte diante da realidade histórica. Chaplin parece acreditar – ou desejar acreditar – que o discurso e a razão podem conter a barbárie. Mas sabemos, hoje, que o fascismo não foi derrotado com argumentos, mas pela força armada. A utopia humanista que o filme propõe soa, ao olhar contemporâneo, tanto como um grito nobre quanto como uma súplica desesperada. Essa ambiguidade, longe de enfraquecê-lo, confere ao filme uma dimensão trágica e comovente.

O ponto culminante da obra é o monólogo do barbeiro judeu, confundido com Hynkel. O discurso rompe a quarta parede e se torna uma mensagem direta de Chaplin ao público. Ele rejeita o ódio e defende um ideal humanista baseado em democracia, liberdade e fraternidade.

Não se pode ignorar o impacto duradouro de “O Grande Ditador”. Em um tempo em que muitas vozes silenciaram diante do avanço nazista, Chaplin ousou rir. E, ao rir, desmascarou. Como todo grande artista, ele não apenas refletiu seu tempo – desafiou-o. Em 1940, Chaplin teve a coragem de mostrar que o riso, quando bem direcionado, pode ser mais perigoso que o silêncio e mais penetrante que a censura.

Por fim, “O Grande Ditador” permanece como um monumento cinematográfico e um alerta artístico contra os delírios do poder. É um filme que emociona não por acreditar em redenções fáceis, mas por insistir em ter esperança mesmo assim. Seu otimismo, às vezes ingênuo, talvez seja exatamente o que o torna eterno – um ato de resistência pela beleza e pela fé na humanidade, mesmo quando a escuridão parece absoluta.