. AVISO: Este texto aborda estupro e agressões sexuais, temas que podem ser sensíveis para alguns leitores.

Quando as indicações para o 93º Academy Awards foram anunciadas, Promising Young Woman, primeiro longa-metragem dirigido pela britânica Emerald Fennell, surpreendeu ao receber cinco nomeações: Melhor Roteiro Original, Melhor Direção, Melhor Atriz e Melhor Filme. Pela primeira vez em 93 anos, duas mulheres estavam indicadas na categoria de direção. Fennell, aliás, tornou-se a primeira mulher desde 2007 a vencer o Oscar de Melhor Roteiro Original. Antes disso, já havia se destacado como roteirista-chefe da segunda temporada de Killing Eve e como atriz, interpretando Camilla Parker Bowles na terceira e quarta temporadas de The Crown. Curiosamente, ela conciliou as gravações da série com a produção de Promising Young Woman.

O filme acompanha Cassie, uma mulher de trinta anos que abandonou a faculdade de medicina após sua melhor amiga, Nina, ter sido estuprada por um colega de classe — que acabou saindo impune. No início da narrativa, Nina já está morta (o filme sugere que ela cometeu suicídio), e Cassie desenvolveu hábitos noturnos perigosos: ela se finge de embriagada em bares e baladas para desmascarar homens que se dizem “bons rapazes”, mas que tentam tirar proveito da situação. Quando o abusador de Nina retorna à cidade para sua despedida de solteiro, Cassie decide canalizar toda a sua energia para confrontar diretamente os responsáveis pela destruição da vida da amiga.

A direção de Fennell, desde os primeiros minutos, nos mergulha em uma atmosfera de suspense. A cena inicial — em que um homem se oferece para “ajudar” uma Cassie aparentemente bêbada, apenas para tentar abusar dela — é desconcertante. O momento em que ele é surpreendido por sua reação é de arrepiar. Tudo isso acontece antes mesmo dos créditos iniciais surgirem.

Diferentemente do subgênero problemático conhecido como rape-revenge — que nos deu filmes como Doce VingançaPromising Young Woman não busca uma vingança violenta. Em vez disso, Cassie impõe punições psicológicas e situações moralmente desconfortáveis àqueles que contribuíram para o sofrimento de Nina. Sua manipulação é, por vezes, mais eficaz e aterradora do que a violência explícita vista em tantos thrillers.

Carey Mulligan carrega o filme com uma atuação magistral. Ela transita com fluidez entre diferentes nuances de Cassie, revelando as cicatrizes do luto e nos mostrando uma mulher que se tornou uma sombra de si mesma. (Se dependesse de mim, o Oscar de Melhor Atriz teria sido dela.) Um acerto de Fennell foi escalar atores geralmente associados a personagens carismáticos ou simpáticos em papéis ambíguos ou perturbadores — uma escolha que reforça a desconstrução do arquétipo do “Nice Guy” de forma sutil e eficaz. O elenco de apoio conta com nomes como Laverne Cox, Connie Britton, Jennifer Coolidge, Bo Burnham, Adam Brody e Alfred Molina.

Um elemento que se destaca especialmente é o uso da paleta de cores, sobretudo nas cenas envolvendo Cassie. Predominam tons doces, como azul e rosa em versões pastéis e infantis, criando um contraste perturbador entre a estética delicada e a violência implícita nas ações e no contexto.

A trilha sonora também é um ponto alto. Suas escolhas vão do irônico ao surpreendentemente tenso. A inclusão de “Stars Are Blind”, de Paris Hilton, em uma sequência romântica nos remete à era de ouro das comédias românticas, enquanto uma versão instrumental de “Toxic”, feita especialmente para o filme, acompanha com perfeição o clímax. Já os acordes mais ásperos que surgem nas lembranças do abuso de Nina reforçam, com precisão, o desconforto emocional criado pela direção.

Promising Young Woman marca uma estreia impactante de Emerald Fennell na direção de longas-metragens. Os temas são pesados e certamente deixarão o espectador abalado — de forma eficaz e visceral — ao explorarem as engrenagens de uma sociedade machista e grotesca. Ainda que o filme não ofereça respostas definitivas para esse problema estrutural, ele contribui para o início de uma conversa urgente e necessária.

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