O quanto você iria em nome da autenticidade para a sua arte?
O filme britânico Sebastian (2024) levanta esse questionamento dentro de um contexto queer, sem medo de explorar com mais profundidade aspectos da comunidade gay, do universo dos garotos de programa e dos sacrifícios que, à primeira vista, podem parecer superficiais, mas carregam implicações muito mais profundas. O filme tambêm ganhou certa notoriedade após a recepção aclamada de “Anora” na temporada de prêmios de 2025, com “Sebastian” sendo chamado de sua versão homoafetiva
Max, de 25 anos, é jornalista e aspirante a escritor. No topo da sua lista de desejos está a publicação de seu primeiro livro. Para isso, ele decide se lançar em uma experiência radical: começa a trabalhar como garoto de programa sob o pseudônimo de “Sebastian” e escrever sobre suas explicitas experiencias. Ao se envolver com homens mais velhos e explorar os limites da própria sexualidade, Max mergulha em uma espiral existencial. Resta a dúvida: Sebastian é apenas um artifício literário ou representa algo mais profundo?
A proposta do filme é interessante. A trajetória de um jovem promissor que faz sacrifícios e se submete a experiências intensas em nome da arte não é uma história simples ou leviana. Sebastian trata sexo e intimidade com uma certa banalização inicial, beirando a objetificação — e é justamente por isso que, quando uma cena real de afeto entre Sebastian e Nicholas acontece, ela ganha peso, tanto emocional quanto carnal. É possível que o uso de estereótipos — como a relação entre um jovem e homens mais velhos de aparência predatória que flertam com a saída do armário — afaste parte do público, mas quando Max e Sebastian se fundem, o filme atinge um novo patamar. Apesar de agridoce, a narrativa ganha corpo e consistência.
A direção de Mikko Mäkelä se destaca pela economia de movimentos e pela atenção aos silêncios. Não há exageros dramáticos ou reviravoltas artificiais. Tudo pulsa em um ritmo contemplativo e quase estático. A fotografia é sóbria e urbana, revelando uma Londres noturna que mais oculta do que revela. É nesse cenário que Max/Sebastian transita — um espectro que às vezes deseja ser visto, outras vezes teme a luz. A edição ajuda a indicar qual das duas personas domina a cena: gemidos de prazer guturais enquanto Max digita, ou cenas de sexo sobrepostas ao som do teclado, em vez de ruídos crus e explícitos.
O grande destaque do filme é Ruaridh Mollica, intérprete de Max/Sebastian. Com uma aparência que evoca o estereótipo do “twink” na comunidade gay, Mollica entrega uma performance de estilo quase aquiliano. Apesar da contenção facial — com uma expressão que remete a um constante desgosto pela situação em que sua ambição o colocou — ele consegue transmitir, com sutileza, a solidão e o desgaste espiritual do personagem. A atuação revela de forma eficaz as diferenças entre criador e criatura. Max/Sebastian também se torna um canal para discutir questões sistêmicas dentro da própria comunidade queer, como o etarismo e a dificuldade de estabelecer vínculos afetivos consistentes.
Sebastian é uma análise da solidão contemporânea em meio às inúmeras possibilidades que, paradoxalmente, nos desumanizam com o tempo. O filme ganha ainda mais profundidade ao se permitir olhar para essas questões a partir de uma perspectiva queer. Não há respostas fáceis. Tampouco há a tentativa de moralizar ou redimir seus personagens. Em vez disso, somos convidados a mergulhar em um território incômodo. É um filme sobre o ato de escrever — mas também sobre o preço de se permitir ser escrito. Sobre o corpo como linguagem, o sexo como trabalho, e o amor como tradução imperfeita.