As sitcoms conseguem abordar diferentes temas com humor, carisma e charme. Popularizadas a partir da década de 1950, com o pioneiro e cômico I Love Lucy, essas comédias de situação evoluíram ao longo das décadas, conquistando públicos diversos. Nos anos 1980 e 1990, uma das séries mais emblemáticas foi The Golden Girls, conhecida no Brasil como Super Gatas. O programa acompanha a vida de quatro senhoras que moram juntas: a ingênua e limitada Rose Nylund; a hipersexual Blanche Devereaux; a sarcástica Dorothy Zbornak e sua rabugenta mãe, Sophia Petrillo. Ao longo de sete temporadas, acompanhamos essas mulheres enfrentando desafios e crescendo como pessoas — sempre com muito humor, energia e afeto.

Super Gatas foi um marco e permanece celebrado até hoje, atraindo fãs de todas as idades. O sucesso foi tão grande que a Rainha-Mãe, Elizabeth Bowes-Lyon, requisitou uma apresentação especial em Londres. As quatro atrizes viajaram até lá e se apresentaram para milhares de ingleses — inclusive para a própria mãe da Rainha Elizabeth II. Mas o que transformou uma premissa aparentemente simples em um fenômeno de crítica e audiência?

Um elenco irresistível

Betty White (1922–2021), conhecida como a Primeira-Dama da TV americana, iniciou sua carreira nos anos 1950 e continuou trabalhando incansavelmente até sua morte, aos 99 anos. Sua personagem, Rose Nylund, é um dos papéis mais icônicos de sua carreira, e serviria, de certa forma, como uma válvula de escape emocional, já que a atriz ainda lidava com a perda de seu marido, Allen Ludden.

Bea Arthur (1922–2009) e Rue McClanahan (1934–2010), com sólida formação teatral e ampla experiência na televisão, demonstraram enorme versatilidade nos papéis de Dorothy e Blanche, respectivamente. Bea já era conhecida por seu trabalho em outro sitcom de sucesso, Maude, exibido alguns anos antes.

Das quatro protagonistas, a menos experiente era Estelle Getty (1923–2008), que vinha do teatro. Mesmo assim, sua personagem — Sophia — foi um sucesso instantâneo já no episódio piloto, garantindo sua inclusão no elenco principal.

Diferente de muitos sitcoms contemporâneos, em que o núcleo cômico gira em torno de um único personagem e piadas fáceis, o humor de Golden Girls era robusto, bem distribuído e sustentado com firmeza por todas as atrizes. O timing cômico impecável, os insultos afi ados e a disposição para o humor físico elevavam o nível das performances. As expressões faciais bem encaixadas e os momentos em que as próprias atrizes se rendiam às risadas do público tornavam tudo ainda mais autêntico.

Durante seus sete anos no ar, a série conquistou diversos prêmios — cada uma das quatro protagonistas recebeu um Emmy por sua performance.

Narrativas cômicas, mas sensíveis

Apesar de seu tom leve, o seriado frequentemente abordava questões dramáticas e complexas, o que ajudou a consolidar sua fama de ser “à frente de seu tempo”. Exibida no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, a série tratou com sensibilidade temas como racismo, machismo, abuso, vício, homofobia e antissemitismo.

Em um episódio marcante, Dorothy descobre que uma nova amiga é membro de um clube que proíbe a entrada de judeus. A mulher tenta justificar-se dizendo: “É a política deles, não a minha.” Ao que Dorothy responde, incisiva: “Sim, mas você a tolera.” O silêncio da plateia, que normalmente ria com facilidade, evidencia a seriedade do momento. A frase final de Dorothy — “Vá para o inferno” — é dita com simplicidade e impacto.

A série também discutiu saúde mental de forma surpreendentemente delicada. Em tempos em que muitos produtos audiovisuais evitam tocar nesses assuntos, Golden Girls os enfrentava de forma direta e, muitas vezes, emocionante. Os episódios que exploram a conturbada relação de Dorothy com seu ex-marido, Stanley, são exemplos disso — tratando de temas como superação, infidelidade e perdão com profundidade rara no gênero.

Personagens humanas, não perfeitas

Apesar de abordar pautas progressistas para a época, as personagens eram escritas de forma extremamente humana. Certas visões iniciais podem parecer datadas sob o olhar contemporâneo, mas a força da série está justamente em mostrar a evolução de cada uma delas — como no caso de Blanche ao lidar com o irmão gay, ou em um casamento repleto de contrastes.

Em um episódio, a filha de Blanche revela o desejo de fazer inseminação artificial — algo considerado um grande tabu na época. Blanche, em choque, compartilha a novidade com as amigas, esperando consolo. Em vez disso, recebe caretas enojadas e comentários cômicos. O tema, embora delicado, é tratado com leveza e humor, gerando uma cena hilária e reveladora.

Outro episódio, considerado um dos mais marcantes, mostra Rose em pânico após uma transfusão de sangue, ao ser informada da possibilidade de estar infectada pelo vírus HIV. O contexto da epidemia de AIDS nos anos 1980 era assustador e cercado de preconceitos. Ronald Reagan, então presidente dos EUA, só mencionou a crise anos depois, quando milhares já haviam morrido — e seus discursos frequentemente responsabilizavam a comunidade LGBT.

Durante as 72 horas de espera pelo resultado, Rose entra em colapso emocional. Em um momento particularmente tocante, ela explode com Blanche, dizendo que aquilo não deveria estar acontecendo com ela por ser “uma pessoa boa”. Blanche responde com firmeza e empatia, criando uma das interações mais profundas de toda a série.

Um legado duradouro

Em 1992, foi ao ar o último episódio de Golden Girls. Mais de três décadas depois, a série continua conquistando novos fãs, influenciando a cultura pop e servindo como fonte de riso e conforto para quem decide dar uma chance.

Se você ainda não assistiu, reserve um tempo. Super Gatas é muito mais do que um sitcom divertido — é um retrato afetuoso, crítico e bem-humorado da amizade e da experiência feminina na maturidade.

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