Se você é fã de musicais, com certeza já ouviu falar de “Chicago”, filme de 2002 baseado no musical homônimo. Um dos últimos musicais a conquistar o Oscar de Melhor Filme, “Chicago”, ao lado de “Moulin Rouge”, protagonizou uma pequena renascença do gênero nos anos 2000. Baseado em uma história real, inspirado em uma peça dos anos 1920 e desenvolvido pelo aclamado coreógrafo e diretor Bob Fosse, o musical estreou nos palcos em 1975. Na época, foi criticado por seu tom excessivamente cínico e não conquistou o público como se esperava. O próprio Fosse chegou a cogitar uma adaptação cinematográfica e considerou a cantora Madonna para o papel de Velma Kelly. No entanto, os planos de levar “Chicago” às telas só se concretizaram em 2002, impulsionados pelo sucesso inesperado de “Moulin Rouge” no ano anterior.

Ambientado durante os loucos anos 1920, o enredo segue Roxie Hart e Velma Kelly, duas mulheres que mataram homens — Roxie, seu amante; Velma, o marido — e que se conhecem na prisão. A narrativa acompanha as duas até o julgamento, expondo os bastidores do sensacionalismo midiático e da corrupção sistêmica da Era do Jazz. Desde o primeiro número musical, o explosivo “All That Jazz”, fica claro que estamos diante de um espetáculo. Com exceção do número de abertura e do encerramento, todos os demais são apresentados como fantasias dos personagens ou manifestações simbólicas. Sem as músicas, a trama seguiria uma estrutura narrativa convencional. Com elas, porém, a história adquire uma dimensão teatral e crítica muito mais rica.

Um exemplo notável ocorre no momento em que Roxie é confrontada por uma comitiva de imprensa. Seu advogado, interpretado por Richard Gere, a silencia, e o número musical subsequente transforma Roxie em uma boneca de ventríloquo enquanto ele domina a narrativa. A cena é uma crítica contundente ao poder manipulador da mídia, tema que continua atual — como vimos no tratamento midiático dado ao julgamento por difamação entre Johnny Depp e Amber Heard. As músicas estão perfeitamente integradas à trama. Cada uma serve para aprofundar os personagens, revelar suas ambições ou expor aspectos obscuros do sistema em que estão inseridos.

O elenco é um espetáculo à parte: Renée Zellweger entrega uma Roxie Hart consistente e carismática, mas é Catherine Zeta-Jones quem domina a tela, roubando cada cena como Velma Kelly. Queen Latifah brilha como a divertida e corrupta diretora da penitenciária, enquanto Richard Gere e John C. Reilly interpretam, com destaque, o advogado Billy Flynn e o ingênuo Amos Hart, respectivamente. A direção de Rob Marshall é primorosa, transitando com maestria entre as cenas frias da prisão e os exuberantes números musicais. Seu trabalho quase impecável faz de “Chicago” uma das mais bem-sucedidas adaptações de musicais para o cinema.

No Oscar de 2003, “Chicago” levou seis das doze estatuetas a que foi indicado: Melhor Filme, Melhor Atriz Coadjuvante (Catherine Zeta-Jones), Direção de Arte, Figurino, Edição e Som. Distribuído pela Miramax, o filme teve como produtor executivo o então poderoso — e hoje infame — Harvey Weinstein. Conta-se que ele não acreditava na vitória do longa na principal categoria e, por isso, não empenhou seus conhecidos esforços de lobby junto à Academia. Renée Zellweger perdeu o Oscar de Melhor Atriz para Nicole Kidman, que interpretou Virginia Woolf em “As Horas”. Já Rob Marshall foi derrotado na categoria de Melhor Diretor por Roman Polanski, premiado por “O Pianista” — decisão que permanece controversa, dado o histórico criminal do cineasta.

Mesmo após mais de 20 anos, “Chicago” permanece como uma das melhores adaptações de um musical para o cinema. O sucesso do filme inspirou uma nova leva de adaptações musicais nos anos seguintes, poucas das quais, no entanto, alcançaram seu mesmo impacto cultural. Se você ainda não assistiu a esse filme, não perca mais tempo. É uma experiência cinematográfica envolvente, crítica e inesquecível.

 

Categorized in: