Em julho de 1952, Eva Perón morreu aos 33 anos. Sua morte causou comoção por toda a Argentina e representou um duro golpe para o então presidente populista Juan Perón. Setenta anos depois, Evita continua sendo uma figura central na mitologia argentina. Durante seu período como primeira-dama, Eva se dedicou a causas sociais, defendendo os direitos das mulheres e lutando pelos setores mais vulneráveis da população. Após sua morte, sua presença tornou-se ainda mais ameaçadora para os opositores: os militares que depuseram Perón esconderam seu corpo embalsamado por quase vinte anos.
Eva María Duarte percorreu uma trajetória improvável — de atriz de rádio e cinema a primeira-dama, e, posteriormente, à condição de santa popular. Muitos preferem ignorar as circunstâncias que levaram seu marido ao poder e as alianças que ele firmou, para que a imagem imaculada de Evita permaneça intacta. Mas aqui não falaremos apenas de política. Nosso foco é o musical inspirado em sua vida e morte — uma obra que imortalizou Patti LuPone como uma diva da Broadway e Madonna como uma “assassina de filmes”.
Don’t Cry for Me, Argentina
Na metade da década de 1970, o letrista Tim Rice propôs ao compositor Andrew Lloyd Webber a criação de um musical baseado na trajetória de Eva Perón. Inspirado por uma biografia crítica, o espetáculo narra a vida da futura primeira-dama desde a juventude até sua morte precoce. Um recurso dramático importante foi a introdução do personagem Che, que atua como narrador e crítico do casal Perón. Em algumas montagens, Che é representado como Che Guevara; em outras — como na adaptação cinematográfica — ele é retratado de forma mais genérica, como um argentino comum.
Em 1978, o musical estreou no West End, em Londres, com Elaine Paige no papel-título. No ano seguinte, chegou à Broadway com Patti LuPone interpretando Eva — um papel que lhe rendeu seu primeiro Tony Award. As críticas iniciais foram mistas. Muitos condenaram a apropriação de uma história sul-americana por autores europeus e a possível romantização de um regime autoritário. Ainda assim, o público abraçou o espetáculo com entusiasmo, transformando-o em um sucesso estrondoso. As canções, intensas e tecnicamente sofisticadas, alcançaram outro patamar na voz poderosa de LuPone.
Logo, começaram as negociações para uma adaptação cinematográfica.
A New Argentina
Durante 17 anos, Hollywood tentou levar Evita para as telas. Nomes como Liza Minnelli, Karla DeVito, Meryl Streep, Michelle Pfeiffer e Glenn Close foram cogitados para o papel principal. No fim, quem conquistou o papel foi Madonna. Jonathan Pryce e Antonio Banderas completaram o elenco, interpretando Juan Perón e Che, respectivamente. A escolha de Madonna gerou forte reação na Argentina, onde muitos consideravam inadmissível que uma artista com reputação polêmica encarnasse uma figura tão emblemática. Vinda da controversa fase Erotica, Madonna encarou o desafio como sua grande chance de protagonismo no cinema.
Lançado em dezembro de 1996, o filme arrecadou cerca de 141 milhões de dólares e teve recepção crítica morna. Apesar disso, Madonna venceu o Globo de Ouro de Melhor Atriz por sua atuação. Com o tempo, formou-se um consenso: sua performance é, no máximo, mediana. As exigentes músicas do musical precisaram ser adaptadas e simplificadas para se adequar às limitações vocais da cantora. Basta comparar qualquer versão de A New Argentina ou Rainbow High com a de Madonna para perceber a diferença gritante.
Em uma entrevista anos depois, Patti LuPone declarou nunca ter assistido ao filme na íntegra, mas não escondeu o desdém pelos trechos que viu:
“Madonna é uma assassina de filmes. Ela não deveria estar no cinema ou no teatro. É uma artista maravilhosa no que faz, mas não é atriz.” — Patti LuPone.
O sucesso da peça e do filme reacendeu o fascínio popular por Eva Perón. Sua história — marcada por contradições e paixões — continua a inspirar mulheres na Argentina e ao redor do mundo. Em homenagem aos 70 anos de sua morte, foi lançada a série Santa Evita, que explora o pós-morte da primeira-dama, reforçando a ideia de que Eva era muito mais perigosa morta do que viva.
Seja por meio de um musical glamouroso, de um filme criticado ou de uma série envolta em mistérios, uma coisa é certa: Eva Perón ainda ocupa um lugar incontestável na história e no imaginário popular.