Devastada e humilhada após anos sob o regime de Hitler, a Berlim pós-guerra foi ocupada por soldados americanos e soviéticos, com o principal foco sendo a reeducação dos civis alemães e o controle da cidade. Durante os anos de ocupação, as forças dos EUA usaram filmes para confrontar o país com as duras realidades das imposições ideológicas nazistas e para distrair muitos com clássicos em Technicolor que endeusavam o modo de vida americano. Polonês de nascimento, mas com início de carreira na República de Weimar, Billy Wilder decidiu misturar os dois tópicos em um de seus filmes mais pessoais: “A Foreign Affair” (A Mundana).

Billy Wilder é responsável por grandes clássicos do cinema, como “Crepúsculo dos Deuses”, “O Pecado Mora ao Lado” e “Quanto Mais Quente Melhor”, e recebeu a missão do governo americano de reviver a indústria cinematográfica na Alemanha e promover um filme que aliasse a morbidez da Berlim destruída com a história de uma alemã salva pelos valores americanos. Com a liberdade dada pelo governo, Wilder criou um filme próprio, que não agradou as forças americanas e teve sua exibição banida na Alemanha até 1977.

Ambientada após a derrota dos nazistas, “A Foreign Affair” conta a história de Phoebe Frost, uma congressista americana que visita a cidade ocupada e descobre que um oficial corrupto tem um caso com Erika Von Schlütow, uma cantora de cabaré com ligações às forças arianas. Em busca do homem aliado à cantora, Frost se junta ao Capitão John Pringle pelas noites de Berlim, sem saber que ele é o homem que procura.

Estrelado por Marlene Dietrich e com muitos talentos que fugiram do Terceiro Reich, “A Foreign Affair” tem como cenário as ruínas de Berlim, que também servem de base para o filme e inspiram o título de uma das músicas. As ruínas representam a grandiosidade erradicada — física e espiritualmente — tanto pelos nazistas quanto pelos aliados. O questionamento de Wilder promove uma reflexão sobre as lembranças de grandes nações e a certeza de que as coisas nunca voltarão a ser como eram antes.

O filme, de maneira cínica, critica a atuação das forças americanas em território alemão, contrastando expectativas e realidades. Em vez de políticas de reeducação, soldados assediavam mulheres alemãs e aproveitavam a instabilidade econômica para se divertir em bares e cabarés. A lavagem cerebral ariana dos mais jovens e a desvalorização do dinheiro, aspectos que normalmente seriam vistos como negativos, são utilizados como artifícios de comédia.

Jean Arthur e Marlene Dietrich conduzem o filme em meio a coadjuvantes masculinos monótonos. Arthur foi retirada de sua aposentadoria por Wilder e interpreta Phoebe Frost com rigidez e humor equilibrado. Marlene, com seus números musicais, complementa o filme. Natural de Berlim e ávida anti-nazista, ‘O Anjo Azul’ era a única pessoa que poderia interpretar Erika, servindo como um retorno às suas origens. Sua figura imponente domina todas as cenas em que aparece, e suas músicas carregam um peso significativo em suas letras.

Em um mundo onde a guerra e a destruição são banalizadas e as ideologias políticas oprimem a moral, o cenário de “A Mundana” se mostra atual em todo o mundo. Muitas vezes esquecido em meio aos clássicos e espetáculos de Billy Wilder, este filme é um dos melhores de toda a sua filmografia.

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