Antes de tudo, esse artigo é inspirado no vídeo “Death of the Movie Musical” da autora e influencer digital Lindsay Ellis. Deem uma conferida!
Na lista das dez maiores bilheterias do cinema, só duas produções são relativamente originais ou inovadoras. Os demais produtos se enquadram em três categorias: filmes de super-heróis, continuações e remakes/reboots e isso sintetiza o terreno onde a indústria cinematográfica encontra lucro atualmente. Ocasionalmente um filme de origem independente chama a atenção de críticos e públicos, o mesmo pode ser dito de um longa musical. Mas teve uma época em que os musicais eram o principal sucesso. Eram os queridinhos das premiações e o prestígio de participar de um musical era extremamente considerado.
Mas como, graças a uma estratégia arriscada e inúmeras decepções, os grandes musicais de Hollywood viraram uma espécie rara?
Mas primeiro, um pouco de História
Em meados da década de 20, os filmes falados chegaram com tudo ao cinema, dando origem a curtas musicais e, posteriormente, a longa metragens musicais. O primeiro filme considerado como um musical é “O Cantor de Jazz”, lançado em 1927 e lembrado pelo uso de Blackface.
Hoje, o período entre as décadas de 30 e de 50 é conhecido como “A era de ouro dos musicais”. Esse período nos trouxe grandes clássicos como “O mágico de Oz.”, “Desfile de Páscoa”, “O Picolino”, “Cantando na chuva”, entre outros. Esses vinte anos também imortalizaram vários artistas, que até hoje são lembrados pelo canto ou pela dança: Fred Astaire, Ginger Rogers, Judy Garland, Carmen Miranda, Gene Kelly… a lista é bem longa.
Sejam por seus números complexos ou coreografias gigantescas (quase sempre cortesia do icônico Busby Berkeley), os musicais hollywoodianos construíram a reputação de importantes e indispensáveis para a indústria cinematográfica, o que serviam com uma ótima oportunidade para os lançamentos roadshow, um artifício que foi principalmente utilizado entre 1950 e 1970.
Um lançamento Roadshow tentava aproximar a experiência da ida ao cinema a uma noite no teatro: um número limitado de cinemas recebia o filme a um preço acessível; nenhum trailer ou prévia era passada antes e o longa, normalmente, era mais longo do que o lançamento normal. Em vários casos, o filme tinha uma intermissão para possibilitar que a audiência fosse se reabastecer de comida ou dar uma passada no banheiro.
Esse tipo de lançamento era restrito a poucos gêneros, proporcionando uma melhor experiência de dramas (E o Vento Levou), épicos (Ben-Hur) e, principalmente, musicais. Mas com a chegada do aparelho de televisão na década de 50, ficou clara a dependência de muitos nesse método, em um período em que o cinema não era mais a fonte principal de entretenimento . Somando isso a fracassos que quase faliram estúdios, muitos acharam que grandes épicos e filmes musicais não eram um investimento tão viável.
… Até a Julie Andrews aparecer voando com um guarda chuva.
Como Julie Andrews salvou os musicais…(ou quase)
O capitalista favorito de todo mundo, Walt Disney, lançou “Mary Poppins” em 1964 e realizou um sonho que ele tinha desde 1940. A produção lançou a carreira de Julie Andrews nos cinemas e rendeu seu primeiro e único Oscar de melhor atriz. No total o filme arrecadou 13 indicações ao Oscar, incluindo melhor filme.“ Mary Poppins ” foi o último grande sucesso de Walt Disney, que viria a falecer em 1966, e foi um fenômeno quase instantâneo de crítica e bilheteria. Embora não tenha recebido o tratamento de Roadshow , ele foi lançado desta forma no Reino Unido, o que se mostrou uma decisão viável para o estúdio.
No mesmo ano foi lançado pela Warner Bros a adaptação do musical “My Fair Lady”. Tendo Audrey Hepburn como intérprete da protagonista(e tendo suas partes cantadas dubladas) o filme se pagou rapidamente e se tornou a segunda maior bilheteria do ano, além de arrecadar 12 indicações Oscar e ganhando 8 (incluindo melhor diretor e melhor filme).
Mas o armamento pesado ainda estava por vir…
“Noviça Rebelde” foi lançado em 1965 pela 20º Century Fox, como um grande musical parecido com os da década anterior e se encontrou no lançamento em Roadshow. Sozinho, o filme conseguiu quebrar recordes e reverter o desastroso fiasco que “Cleópatra” havia causado ao estúdio e levou 5 Oscars (incluindo melhor filme).
Então ao todo, “Mary Poppins”, “My Fair Lady” e “Noviça Rebelde” foram indicados a 35 Academy Awards e tiveram 18 vitórias. Por um momento, com três sucessos seguidos, os grandes musicais pareciam a salvo.
Como Barbra Streisand terminou de matar os musicais.
Após o sucesso de “Noviça Rebelde” e “My Fair Lady”, estúdios voltaram a arriscar nos grandes e complexos musicais, o que se mostrou um grande erro.
“Camelot” da Warner Bros e “Doutor Dolittle” da 20ºCentury Fox podem ter histórias completamente diferentes, mas tem muita coisa em comum: duas estrelas protagonistas problemáticas e incapazes de cantar, produções de altíssimo custo com inúmeros empecilhos, resultados nada satisfatórios em bilheteria e crítica, e legados (no mínimo) controversos. “Camelot” afundou a Warner por alguns anos e as histórias envolvendo os bastidores de “Doutor Dolittle” são assombrosas.
Após algumas tentativas, com resultados igualmente desastrosos, os grandes musicais de Hollywood colocaram suas esperanças em um filme.
Chega em 1969 a adaptação de “Hello Dolly” estrelado por Barbra Streisand, sendo o musical de maior orçamento da época (aproximadamente 25 milhões de dólares) .Embora tivesse tudo para se tornar um, “Dolly” estava longe de ser um sucesso comercial ou crítico, sendo ofuscado por muitas polêmicas envolvendo a escolha de Streisand para interpretar o papel da cinquentona protagonista, eternizado nos palcos por Carol Channing. O orçamento astronômico mal se pagou com o resultado da bilheteria , mergulhando a 20º Century Fox em dividas e prejuízos
“Hello Dolly” foi a gota d’agua para os executivos e depois de sua recepção nada calorosa, os grandes estúdios de Hollywood decidiram repensar o papel dos musicais
Mas… e depois?
Os musicais luxuosos se perderam, mas o gênero continuou vivo de outra maneira. Filmes como “Cabaret” e “All That Jazz” colocavam os números musicais em palcos e moviam a história de maneira mais realista, sem que o protagonista subitamente começasse a cantar, o que se mostrou uma decisão de extremo sucesso: “Cabaret” foi bastante premiado e é considerado um dos melhores musicais de todos os tempos. Ocasionalmente, durante a década de 70 e 80, um musical com base na Broadway era lançado para agraciar o público como os clássicos cult “Rocky Horror Picture Show” e “Pequena Loja de Horrores”, mas eram a exceção em um período em que grandes e arrasadores Blockbusters faziam sucesso nas bilheterias e nas premiações.
Os filmes da Renascença Disney e suas cópias (estou olhando para você, Anastasia) reviveram os grandes e complexos musicais, mas em um mundo animado seria normal o protagonista abrir o coração ao som de uma canção, e isso trabalhou a favor da Casa do Rato e ao gênero . “Bela e a Fera” de 1991 foi o primeiro musical em grande escala a ser indicado a melhor filme desde “Hello Dolly”
Com o lançamento de “Moulin Rouge”, pela primeira vez em décadas, um musical chamava a atenção de críticos, espectadores e membros da Academia. O longa de Baz Luhrmann se aproveitou de sua fotografia única e estilo quase cartunesco para nos apresentar grandes covers de músicas conhecidas. Por ser passar em uma casa noturna, não seria espanto ou surpresa se uma das mulheres começasse a cantar “Diamonds are The Girls Best Friend”. O resultado foi surpreendente e positivo.
Somando o sucesso de “Moulin Rouge” com a adaptação do musical “Chicago” com Renée Zellweger e Catherine Zeta-Jones, os musicais passaram por uma breve renascença. Durante os anos 2000 e 2010, diretores como Tim Burton, Chris Columbus, Rob Marshall, Tom Hooper, Damien Chazelle exploraram o mundo dos musicais. Alguns obtiveram sucesso, como Chazelle com “La La Land”… Outros, como Hooper e sua catastrófica adaptação de “Cats”, não garantiram tanto prestígio e sucesso.