Seja nas telas do cinema ou no folhear de páginas, um dos gêneros mais subestimados é o “Realismo Fantástico”. Embora anteceda seu lançamento, a designação desse gênero ganhou força com as palavras de Gabriel Garcia Márquez em “Cem Anos de Solidão”, sua obra-prima e responsável pela popularidade do estilo. Apesar de obras de diferentes origens ganharem destaque com o passar do tempo, como os filmes “Meia-Noite em Paris” e “O Labirinto do Fauno”, o realismo fantástico se tornou intrinsecamente relacionado à cultura latino-americana.

“Cem Anos de Solidão” narra sete gerações da família Buendía e como elas confrontam a Colômbia dos séculos XIX e XX, explorando temas como elitismo, conservadorismo, discriminação, massacres e guerras. O livro de Gabriel García Márquez, que será adaptado pela Netflix em um projeto arriscado, se tornou sinônimo da expressão latina na literatura. Diferentes autores de diversos países do continente procuraram explorar o poder que o fantástico tinha em suas vidas, fazendo mordazes críticas às realidades enfrentadas e traçando paralelos com suas situações.

Embora clássicos brasileiros de Jorge Amado e o quase surrealista “Memórias Póstumas de Brás Cubas” carreguem elementos característicos do gênero, o Realismo Fantástico encontrou sucesso nos anos entre o regime militar brasileiro (1964-1985) e o governo de Itamar Franco (1992-1994). Com elementos fantasiosos que enganavam censores e efeitos práticos bem trabalhados, diferentes folhetins fizeram críticas à opressão, repressão, corrupção e avanços socioeconômicos. De Médici a Collor, a sutileza das caracterizações seria fundamental na hora de confrontar tópicos, principalmente políticos.

Expressões se tornam literais e o tempo flui de maneira incomum, de modo que as críticas sociais chegam a uma audiência interessada e focada pela trama. A chave para um mundo do realismo fantástico perfeito é que a fantasia não sufoque o real, nem vice-versa. O folhetim de Dias Gomes de 1976, “Saramandaia”, é um exemplo perfeito do gênero nas telenovelas brasileiras: o foco da novela é um plebiscito sobre a mudança de nome da cidade Bole-Bole e outras questões políticas, com alguns de seus moradores sendo afetados pelo aspecto fantástico do mundo, como Dona Redonda, uma senhora obesa que – literalmente – explode de tanto comer. A explosão da personagem causa preocupação por alguns dias, mas não afeta o núcleo principal da história.

O retorno de um governo civil ao Brasil fez com que o realismo fantástico traçasse tantas críticas sociais e culturais quanto propriamente políticas. Dias Gomes, Benedito Ruy Barbosa e Aguinaldo Silva se solidificaram como nomes sinônimos do gênero. Produções como “Roque Santeiro”, “A Indomada”, “Pantanal” e “Pedra sobre Pedra” trouxeram a modernidade do século XX, com elementos fantásticos em narrativas enraizadas na normalidade e nos conflitos do dia a dia do Brasil representado.

Os remakes de “Pantanal”, “Meu Pedacinho de Chão” e “Saramandaia” tentaram, de diferentes maneiras, trazer o realismo fantástico ao público brasileiro, escalando talentos em papéis fisicamente desafiadores e cativantes, como a grande Juliana Paes no papel de Maria Marruá. O desvio narrativo de “Meu Pedacinho de Chão” foi compensado em uma estetica única para o padrão Globo, se  tornando uma das produções mais criativas da emissora. Reações mistas das produções brasileiras do gênero – como o fracasso conhecido como “O Sétimo Guardião ” – são um dos motivos pelos quais ele rapidamente se torna uma lembrança nostálgica do que um estilo a ser explorado.

Filmes como a animação “Encanto” colocaram o gênero em destaque mais uma vez, evidenciando sua associação com a América Latina e sua importância para a região. Seja através do talento de Gabriel García Márquez ou das diferentes cidades imaginárias de Dias Gomes, o Realismo Fantástico ajuda a moldar a identidade latino-americana de maneira única e genuína, frequentemente distanciando-se da cultura milenar e imperial da Europa.

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