Minas Gerais é um dos estados que mais cresce no cenário cultural brasileiro, com Belo Horizonte servindo como epicentro deste momento. Um ponto na disseminação de cultura e arte, a capital mineira é muitas vezes subjugada em prol de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro se tratando de representação na mídia ou como polo cultural. Seja com desenvolvimento de festas que passaram a viajar o Brasil, filmes amplamente elogiados pela crítica especializada ou a peregrinação na época do Carnaval, a cultura Belo Horizontina não para de crescer no aspecto cultural.

Um elemento cultural popular de Belo Horizonte é a presença do Grupo Galpão de teatro. Sem métodos definidos e sem fórmulas pré-estabelecidas, Galpão é uma das companhias mais importantes do cenário teatral brasileiro. Uma das doze integrantes do grupo é a atriz premiada Inês Peixoto.

Inês Peixoto por Bob Souza

Vencedora do Prêmio APCA de Melhor Atriz, Inês tem uma carreira incrível e um talento nato para o teatro, participando de dramas, comédias e musicais com a mesma facilidade e charme. Natural de Belo Horizonte, Peixoto é um dos rostos do Grupo de Teatro Galpão desde 1992

Entre os dias 13 e 15 de abril, tive a oportunidade de entrevistar a atriz, atualmente em São Paulo em meio a temporada de apresentações de ‘Cabaré Coragem’, espetáculo desenvolvido pelo Grupo Galpão em 2023 e que retornou aos palcos no primeiro semestre desse ano. Durante a conversa, Inês respondeu algumas perguntas sobre cultura, teatro, projetos passados e suas inspirações.

“Uma conversa com Inês Peixoto” por Miguel Pedrosa

Miguel Pedrosa: Antes de tudo: como você está, Inês? Nosso último encontro foi no final do segundo semestre de 2022. O que mudou na sua vida desde então? 

Inês Peixoto: Ei Miguel! Sim, nossos últimos encontros foram na finalização da minha trajetória no curso de Cinema e Audiovisual da Una… Eu estava cursando algumas matérias para conseguir me formar, e em algumas delas fomos colegas…

Sabe o ” viver sem tempos mortos”? Pois, é… eu tinha iniciado esta formação em 2009 e não consegui finalizar. Quando entramos em confinamento, fiquei sem poder exercer minha profissão de atriz presencialmente e senti a oportunidade de voltar a estudar como um caminho para finalizar algo inacabado e para me conectar com coisas boas. 

Mesmo virtualmente, foi um momento bom de entrar em contato com novas pessoas, acessar conteúdos novos e crescer. Foi ótimo.

Inês nos bastidores de “Orfãs de Dinheiro”. Sua interpretação lhe rendeu o Premio APCA de Melhor Atriz

Miguel Pedrosa: Se não me engano, sua família tinha acabado de crescer em tempos pós-pandêmicos, não é? Na mesma época, se não me falha a memória, você se machucou durante uma performance do espetáculo ‘Nós’

Inês Peixoto: Sim, no meio do curso eu ganhei meu primeiro neto, hoje já tenho dois.

 Sobre o acidente, o que aconteceu exatamente foi: fui fazer uma substituição relâmpago no espetáculo “Nós”e no terceiro dia da temporada eu cortei profundamente a minha mão direita, num copo de vidro que quebrou no meio do espetáculo. 

Até hoje estou em recuperação. Tenho os movimentos, mas não tenho a sensibilidade recuperada em três dedos. Enfim, seguimos com coragem!

Miguel Pedrosa: Falando em coragem… o sucesso mais recente do Grupo Galpão é o espetáculo “Cabaré Coragem”, atualmente em sua segunda temporada de apresentações e marcando presença em Belo Horizonte e São Paulo. Quais foram as principais inspirações por trás dessa peça e o que você espera que o público absorva com o espetáculo?

Inês Peixoto: Cabaré Coragem foi o primeiro processo criativo presencial do Galpão após a pandemia. Quando voltamos ao presencial, fizemos algumas turnês com outros espetáculos e iniciamos esse processo em 2022. 

Inês Peixoto em palco durante “Cabaré Coragem”; Fotos de Adalberto Lima

Estreamos em junho de 2023 e o Cabaré Coragem tem nos proporcionado momentos de muita emoção. Este trabalho partiu de uma provocação do diretor Júlio Maciel ( ator do Galpão), para que cada um escolhesse músicas que tinha vontade de cantar e textos, de preferência da obra de Bertold Brecht. Assim, passamos o segundo semestre de 2022 entre turnês e encontros criativos para o nosso cabaré.

Em 2023 finalizamos o processo e desde a estreia o espetáculo provoca uma verdadeira catarse na plateia. Misturando música, protesto, números de ilusionismo, dança e muita interação com o público, Cabaré Coragem tem transformado os espaços por onde passa. 

Fizemos temporada em BH, Festival de Congonhas, Festival de Brasília, Festival de Recife, Festival de Curitiba, várias capitais do Nordeste, Teatro Rival no Rio de Janeiro, e agora estamos no Sesc Belenzinho em São Paulo. 

Todos os lugares e noites têm sido especiais. Mas, ocupar o Teatro Rival no Rio de Janeiro, ter Angêla Leal nos assistindo e contando histórias daquele espaço tão importante para o teatro de revista e cabarés brasileiros, foi realmente uma grande emoção para todos nós.

Inês e o Grupo Galpão para “Cabaré Coragem”

Miguel Pedrosa: Infelizmente não tive oportunidade de ver o Cabaré quando lançou e voltou em BH, mas acompanhei o sucesso dele desde o começo. Qual, você acredita, foi o melhor momento da temporada de ‘Cabaré Coragem’: a noite de estreia, o retorno aos palcos em 2024 ou uma presença inesperada que percebeu na plateia? 

Inês Peixoto:Um processo presencial, uma estreia do jeito que a gente gosta e poder circular pelo Brasil. O Cabaré acende uma chama de alegria nas pessoas. Todos se jogam na experiência. Então, são todas essas coisas juntas: estreia, retorno e muitas pessoas incríveis que têm nos assistido

Miguel Pedrosa: Você é membro do Grupo Galpão desde 1992 e já participou de inúmeros de seus projetos com o passar das décadas. Pode se dizer que integrar este grupo de teatro mineiro mudou sua vida? E no quesito de atuação, você considera que o passado e futuro do grupo ajudam a manter seu estilo em constante evolução?

Inês Peixoto: Sim, eu tinha 10 anos como atriz quando entrei para o Galpão. E, com certeza, a experiência de grupo se tornou algo muito potente em minha vida. 

Com o Galpão eu me vi dentro de um coletivo com a mesma paixão: o teatro. E estar num grupo que desde seus primórdios se conectou com a experimentação, com a descentralização do teatro, com a busca da sustentabilidade, com a inquietude a cada processo criativo, isso é maravilhoso!!!

Inês Peixoto em palco durante “Cabaré Coragem”; Fotos de Adalberto Lima

Por sermos um grupo de atores que convida diferentes diretores para cada montagem, temos uma dinâmica criativa muito diversa. Transitamos por várias linguagens, cada diretor traz uma pesquisa diferente, e isso, nos mantém em constante evolução, em constante estado de experimentação. 

Miguel Pedrosa: Em todos esses anos como membro do Grupo Galpão, tem algum espetáculo em questão que você lembra com carinho? Porque? Se possível, poderia falar sobre do que se tratava tal projeto 

Inês Peixoto: Para dizer a verdade, gosto muito de todos os processos criativos que vivencio.

 “Romeu e Julieta”, com direção de Gabriel Villela, foi meu primeiro trabalho com o Galpão e foi um marco no teatro brasileiro. Um clássico de William Shakespeare com gosto de “goiabada com queijo” que encantou o mundo. “Till, a saga de um herói- torto”” é um espetáculo dirigido por Júlio Maciel, ator do Galpão, e é um trabalho que me comove muito. Amo!

 O “Cabaré Coragem” é um espetáculo que entrou para a lista dos meus preferidos. Amo fazer!!!! Mesclar Bertold Brecht com a linguagem de cabaré, foi um processo criativo muito especial. A gente canta, dança, protesta, toca, interage com o público… muito bom de fazer!

Miguel Pedrosa: Algumas de suas últimas novelas para a Rede Globo de Televisão foram ‘Meu Pedacinho de Chão’ e ‘O Último Guardião’. Essas duas novelas, amplamente criticadas pela crítica especializada e audiência, são exemplos contemporâneos do gênero conhecido como ‘Realismo Fantástico’, um contraste em relação à projetos de sua filmografia enraizados na realidade como “Sob Pressão”. Tendo Dias Gomes e Benedito Ruy Barbosa como principais autores nacionais, obras relacionadas ao ‘Realismo Fantástico’ normalmente são associadas à cultura latino-americana, suas visões de mundo e experiências.

Você acredita que, no Brasil de 2024, existe lugar para produções desse feitio de maneira consistente ? Como acredita que novelas ou filmes brasileiros desse gênero possam lograr êxito?

Inês Peixoto: Sim, realmente participei de projetos muito diversificados na televisão. Eu adoro trabalhar no audiovisual. Então, tanto o realismo, o naturalismo, o realismo fantástico, são possibilidades de pesquisa e registro de atuação muito bem vindos. Acho que todos os gêneros têm espaço no mercado. Se você tiver uma boa história, uma boa equipe, a coisa acontece.

 O realismo fantástico faz sucesso em novelas desde que sou pequena: Saramandaia foi uma novela da década de 70 que fez história na teledramaturgia. Temos de batalhar para o lugar da ficção. 

A ficção é importante. Não podemos transformar o espaço da arte em um lugar que deve seguir regras para existir. A arte deve ser livre. E tem espaço para todo mundo: “Bacurau” apostou na imaginação em expansão e fez bonito pelo mundo afora. “Marte Um”, fez bonito, apostando numa história realista. 

A arte tem que cativar, provocar e desafiar o espectador.

Peixoto como Dona Teresa em “Meu Pedacinho de Chão”

Miguel Pedrosa: Em suas passagens pela Globo, tem algum artista com quem trabalharia outra vez? 

Inês Peixoto: Tive sorte de trabalhar com muitos artistas incríveis na Globo. Trabalharia com todos outra vez. A gente trabalha duro lá. Existe essa ideia só do glamour, mas todos trabalham muito! Fazer uma novela exige uma dedicação intensa de todos os envolvidos. 

Miguel Pedrosa: Alguma lembrança específica dos bastidores de alguma dessas duas novelas que gostaria de compartilhar? A Direção de arte de ‘Meu Pedacinho de Chão’ é algo completamente surrealista… a sensação era a mesma em set?

Inês Peixoto: Meu pedacinho de chão foi mágico.

 Nós ficamos ensaiando durante três meses antes de começar as gravações da novela. O Luiz Fernando Carvalho criou um espaço criativo dentro do Projac. Era um galpão onde a gente fazia aulas de máscara neutra, kundalini, música, canto, improvisações. Foi um processo intenso. 

Enquanto isso estava sendo construída uma cidade toda na linguagem da novela, com material reciclado, uma coisa maravilhosa! Era uma vila lúdica. Os figurinos eram de plástico. Foi um momento mágico para todos envolvidos no projeto.

Inês caracterizada como Socorro para “O Sétimo Guardião”

Miguel Pedrosa: A cultura brasileira, seja no âmbito teatral ou audiovisual, está em uma fase de ascensão depois de mais de dez anos sem incentivo cultural intenso. Qual,você acredita, que é o próximo passo para o cenário cultural brasileiro?

Inês Peixoto: Olha, acho que a gente tem de continuar batalhando muito para garantir fomento para nossas produções teatrais e audiovisuais. 

Tivemos, em governos anteriores, um grande descaso com a cultura nacional. Vencemos esses abismos e estamos retomando ações que colocam a cultura e todas as suas manifestações no lugar merecido de importância para a vida e crescimento da nossa sociedade. Temos muito caminho pela frente e temos o desafio de continuar melhorando o panorama criativo no cinema e no teatro.

 No cinema, continuamos muito frágeis no quesito exibição: o Brasil consegue produzir filmes com mais qualidade técnica, mas não consegue alcançar o mercado merecido. No teatro, estamos retornando aos festivais e nunca podemos deixar de lado a preocupação com formação de plateia. 

Temos de levar muito a sério a ideia de que cultura e educação devem caminhar juntas. Sociedades que têm acesso à cultura e educação, estão mais aptas para resolver as questões estruturais que todos países demandam.

Miguel Pedrosa: Da mesma forma que você deve servir de inspiração para muitos artistas em ascensão, existe alguém do teatro brasileiro que é fonte de inspiração para você? Tantos nomes notáveis já passaram pelos palcos brasileiros, mas qual fez seu olho brilhar?

Inês Peixoto: Nossa, tantas pessoas me inspiraram e inspiram até hoje: Charles Chaplin, Marília Pêra, Paulo José, Dina Sfat, Ruth de Souza, Fernanda Montenegro, Augusto Boal, Antunes Filho, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, Giulietta Masina,   Fellini, Visconti, Pedro Paulo Cava, Eid Ribeiro, Wilma Henriques, Gabriel Villela, Andréa Beltrão, Luiz Fernando Carvalho, Cacá Carvalho, Aki Kaurismaki, Laila Garin, Tatiana Tibúrcio,  Yara de Novaes, Ariane Mnouchkine, meus parceiros do Grupo Galpão

Miguel Pedrosa: Nossa!

Inês Peixoto: Tantas pessoas incríveis passam pela gente… Fica difícil citar… Falei aqui alguns do teatro e do cinema. Falta literatura, música, pintura… tudo é fonte de inspiração. Depende do olhar do momento… 

Miguel Pedrosa: Para finalizar, o que você diria para aqueles que desejam ingressar no mundo artístico brasileiro? Qual conselho ou sabedoria você permitiria transmitir para uma nova geração, depois de tantas décadas dedicadas as artes

Inês Peixoto: Sejam sinceros com vocês mesmos, estudem, leiam, tenham sede da vida. Um ator, um artista criador, se alimenta de tudo ao seu redor. Olhando o mundo e deixando a imaginação agir livremente, a química acontece. E aí, a gente batalha para que o que nasce daí possa existir. 

A paixão de Peixoto pelo teatro e sua dedicação as artes serve de inspiração e comove entusiastas desse grade ramo que é a cultura brasileira. Sua contribuição, separada ou conjunta do Grupo Galpão, é uma potência e a atriz merece respeito que uma grande Diva do teatro brasileiro classico. É uma honra para toda a equipe do Cafeina Colorida compartilhar um momento e escutar esse grande talento nacional.