A ascensão do fascismo na Europa, entre as décadas de 1930 e 1940, é frequentemente abordada enfatizando as atrocidades cometidas pelos alemães, enquanto a contraparte italiana, liderada por Mussolini, muitas vezes acaba sendo considerada o pior dos dois males. Nesse contexto, o filme “Chá com Mussolini”, de Franco Zeffirelli, arranha a superfície da Itália fascista ao apresentar uma produção estrelada por ícones do cinema britânico e revelar como certas figuras da elite europeia contaram com o apoio de ditadores, descobrindo tarde demais as reais intenções desses regimes.

Na Florença da década de 1930, um grupo de damas britânicas passa os dias discutindo assuntos triviais, tomando chá e apreciando arte. Esse grupo – apelidado de “Il Scorpioni” – protege o jovem Luca em meio à ascensão do Il Duce. Com o início da guerra na Europa, a vida dessas senhoras excêntricas vira de cabeça para baixo: Luca retorna à Itália e encontra apoio na generosa viúva Elsa, uma americana repudiada pela líder dos Scorpioni, garantindo assim que suas protetoras não enfrentem um destino terrível. O filme aprofunda a repressão vivida na Itália fascista durante a Segunda Guerra Mundial, ao mesmo tempo em que narra uma história de amadurecimento e confiança.

Ainda que o longa não ofereça grandes surpresas ao gênero, ele apresenta uma narrativa que normalmente seria reservada a outros canais de entretenimento. Além de acompanhar a trajetória do órfão Luca e explorar sua relação com Mary, Arabella e Elsa – que serve de alicerce emocional –, o filme foca na postura inflexível de Lady Hester, viúva do embaixador britânico, e de outras figuras que simbolizam uma parcela da sociedade que se considera intocável, mesmo quando o pior chega à sua porta. A obra trata não apenas da ascensão e queda do fascismo, mas também da busca incessante de indivíduos, como Elsa, por um papel relevante, sem que esse esforço receba o devido reconhecimento.

Dispensando longos monólogos ou cenas excessivamente elaboradas, o filme conta a história das “Scorpioni de Florença” por meio de uma narrativa visual que evidencia a brutalidade e a violência da Itália de Benito Mussolini. Esse contraste é estabelecido tanto pelo choque entre o horror da guerra e a atemporalidade das cidades toscanas quanto pela representação direta da destruição da arte italiana por homens de preto. A direção de arte e o figurino colaboram para a narrativa, com cores que se esvaem conforme a desesperança cresce e a elegância do anglocentrismo pré-guerra cede lugar a um espírito de resistência, marcando o declínio dos valores e das imagens do antigo mundo.

O elenco de peso conta com estrelas renomadas: as “Damas do Império Britânico” – interpretadas por Joan Plowright, Maggie Smith e Judi Dench – recebem um tratamento digno de nobreza, representando personagens que oscilam entre o divertido e o absurdo. A irreverente Lily Tomlin atua como a arqueóloga lésbica Georgie, sempre pronta com respostas afiadas, enquanto Elsa é encarnada pela atriz e cantora Cher, que confere à personagem uma mescla de elegância, poder e, em certa medida, vulnerabilidade.

“Chá com Mussolini” apresenta um retrato sensível e incisivo da Itália fascista, evidenciando o colapso dos valores de uma elite outrora inatingível. A convivência entre as damas britânicas e o jovem Luca revela como a civilidade e a arte foram progressivamente corroídas pela brutalidade e repressão do regime de Mussolini. O filme convida o espectador a refletir sobre a fragilidade dos valores e o poder transformador do tempo, ressaltando a importância da resistência e do protagonismo mesmo diante das adversidades históricas.

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