Na Temporada de Premiações de 2024, duas atrizes destacam-se na corrida pelo Oscar de Melhor Atriz: Emma Stone, cujo desempenho em “Pobres Criaturas” a coloca como forte candidata a conquistar seu segundo prêmio na categoria; sua concorrente direta é Lily Gladstone, reconhecida por sua interpretação como Mollie Burkhart em “Killers of the Flower Moon”. Ao ser indicada por sua atuação no filme de Scorsese, Gladstone tornou-se a primeira nativa-americana a receber tal reconhecimento, integrando um grupo seleto de mulheres indígenas indicadas a este prêmio.
Assim como ocorre com asiáticos, negros e latinos, a representação dos nativos americanos nas produções de Hollywood frequentemente é considerada problemática e ofensiva. Muitas vezes, retratados de forma estereotipada, sendo reduzidos a imagens de selvagens, e diversos eventos relevantes de sua história contemporânea negligenciados ou omitidos.
Durante a Era de Ouro, os faroestes e filmes que revisitavam o período da colonização americana frequentemente retratavam as diversas tribos indígenas como bestiais, desempenhando o papel de obstáculos entre o herói da história e um final feliz, sendo subjugados à submissão quando necessário. Quando não eram vilanizados e apresentados como obstáculos, os nativos americanos muitas vezes eram reduzidos a papéis de alívio cômico, sendo retratados de forma estereotipada como indivíduos ingênuos, com rostos pintados em tons de vermelho chamativo. As mulheres, como toda figura exótica, era hipersexualizada e com a mente focada em seduzir- ou ser seduzida- pelo protagonista.
Em um movimento cinematográfico iniciado na década de 1960, conhecido como ‘Faroeste Revisionista’, diversas tribos indígenas passaram a ser representadas de maneira menos ofensiva, buscando ampliar as perspectivas dessa população. Muitos adeptos do cinema pré-código Hays, que rejeitavam a representação de miscigenação na tela e valores questionáveis pelos padrões atuais, ignoravam as perspectivas associadas ao ‘anti-faroeste’.
Hollywood e a representação dos Nativos Americanos voltaram a se entrelaçar em 1973, quando Marlon Brando recusou o Oscar de Melhor Ator, conquistado por sua interpretação como Vito Corleone. Em vez de Brando subir ao palco, a atriz Sacheen Littlefeather tomou a dianteira do microfone, declarando que as condições enfrentadas pela população indígena naquela época eram a principal razão pela qual o ator declinava da honra. Sacheen, que enfrentou vaias e assédio durante a cerimônia, teve sua ancestralidade questionada ao longo de sua vida. Sacheen é vista como uma pessoa controversa para a comunidade indigena,com recentes pesquisas genéticas afirmando que, a atriz não passava de uma oportunista com ascendência mexicana com uma fantasia de Apache. De qualquer forma, o ocorrido com Littlefeather se tornou um marco no movimento nativo-americano no cinema.
Produções das décadas de 1970 a 1990 buscaram promover a inclusão de talentos de diversas origens, destacando-se a presença de Will Sampson em ‘Um Estranho no Ninho’ e membros da tribo Lakota em ‘O Último dos Moicanos’ como marcos iniciais para representações significativas dessas comunidades.
Durante esse mesmo período, filmes independentes se esforçaram para integrar as comunidades aborígenes no contexto contemporâneo, rompendo com a concepção de que essas comunidades só existem em realidades distantes das civilizações modernas. A animação ‘Pocahontas’ da Disney Animation também é lembrada por sua tentativa de oferecer representações altruístas do povo Powhatan, mesmo que a abordagem utilizada pela Disney tenha deixado a desejar, com uma romantização da trágica história real e perpetuando estereótipos míticos sobre os primeiros povos do que veio a ser conhecido como EUA.
Com a polêmica adaptação de ‘Avatar: O ÚltimoMestre do Ar’, uma narrativa singular no quinto filme da franquia ‘Predador’ e a inclusão de uma personagem nativa e PCD no universo Marvel, os talentos aborígenes têm gradualmente conquistado visibilidade, promovendo diversidade e recebendo críticas positivas. Enquanto as narrativas modernas se esforçam para contar suas histórias de maneira mais inclusiva, ao mesmo tempo ocorre um aumento no reconhecimento e apreciação dos talentos provenientes dessas comunidades.
Em “Killers of the Flower Moon”, Gladstone desempenha o papel de Osage Mollie Kyle, uma mulher abastada cuja fortuna se torna objeto de cobiça por parte de seu marido, Ernest Burkhart, interpretado por Leonardo DiCaprio. À medida que membros de sua família e de sua tribo começam a ser vítimas de assassinato, Mollie se torna peça-chave em uma conspiração que dá origem ao primeiro grande caso da entidade que eventualmente se tornaria o FBI. A descendente de Red Crow tem recebido elogios por sua atuação, e juntamente com Stone, é considerada uma das principais concorrentes ao prêmio de Melhor Atriz.
Com culturas fascinantes e distintas, e representações que remontam ao início do cinema, os povos indígenas dos Estados Unidos merecem respeito e reconhecimento, tanto dentro quanto fora das telas. Uma eventual vitória de Gladstone seria um modesto avanço nesse movimento, mas é preferível dar um pequeno passo a permanecer sem evolução.