Em preparação para o lançamento da versão Live Action de ‘A Pequena Sereia’, o Cafeína Colorida revisitou as  inspirações por trás da criação da Bruxa do Mar, Úrsula, e suas diversas influências fortemente enraizadas na comunidade LGBT+. Entre tantas, a inspiração mais evidente é a da Drag Queen Divine, uma figura icônica e marcante da cultura queer nas décadas de 1970 e 1980. A persona performática de Divine revolucionou a cultura drag, o cinema trash e as sensibilidades norte-americanas.

Nascido em 1945 de um casal conservador de classe média alta, Harris Glenn Milstead foi bastante discriminado na infância devido ao seu peso e feminilidade. Inspirado em sua atriz favorita, Elizabeth Taylor, começou a se montar aos 16 anos. Na mesma época, passou a viver exclusivamente com o dinheiro de seus pais, hábito que perdurou por muitos anos de sua vida, após abandonar um emprego estável como cabeleireiro.

Na década de 1960, passou a integrar o círculo de amigos de John Waters e recebeu o apelido que se tornou seu sinônimo, ‘Divine’. Waters é responsável por filmes politicamente incorretos e de gosto duvidoso, tendo Divine como sua principal musa. Procurando se afastar da estética hiperfeminina imposta pelas Drag Queens da época, a performer causou impacto com maquiagem exagerada e roupas excêntricas que exibiam ou acentuavam seu corpo obeso. Descrita como ‘O Godzilla das Drags’, Divine pavimentou o caminho para o estilo anárquico usado por drags contemporâneas.

O primeiro papel de destaque de Milstead foi no clássico cult de John Waters, “Pink Flamingos”, onde interpretou ‘a pessoa mais repugnante do mundo’ e merecendo o título por cada ação realizada durante o longa. O clássico trash tirou Waters e Glenn do anonimato e se tornou uma sensação das madrugadas, assim como “Rocky Horror Picture Show”. A parceria entre Divine e Waters proporcionou clássicos de mau gosto, como ‘Female Trouble’, e demais filmes cult.

 Um de seus últimos e mais lembrados papéis foi o de Edna Turnblad em “Hairspray”, que viria a ser adaptado em versão musical com Harvey Fierstein e John Travolta reinventando o papel. Divine interpretou uma dona de casa na Baltimore de 1960, mãe de uma jovem vivaz que se torna uma sensação em um programa de audiência.

Divine, com sua persona opulenta, teve sucesso além das telas de cinema, dominando palcos em peças teatrais, stand-ups e apresentações musicais. Histérica e vulgar, a performer saiu do submundo e alcançou a fama, mudando a maneira como o mundo – e a comunidade LGBT – encaravam a cultura drag. John Waters, em entrevistas recentes, desmente rumores de que sua diva fosse trans e a compara com Rupaul: Divine era um homem gay que desejava assumir uma persona tanto masculina quanto feminina com a mesma facilidade.

Da mesma forma que Talullah Bankhead serviu de inspiração para Cruella DeVil, Divine é vista como um dos alicerces para o desenvolvimento da antagonista de “A Pequena Sereia”. Howard Ashman, compositor da animação e um dos homens por trás de seu sucesso, era fã dos filmes de Waters e sugeriu aos animadores que usassem as performances histriônicas de Milstead como base para a bruxa do mar.

Ao contrário de Bankhead, Divine não teve a oportunidade de ver Úrsula nas telas. Harris Glenn Milstead morreu durante o sono em 7 de março de 1988, de insuficiência cardíaca, apenas três semanas após o lançamento nacional de “Hairspray”.

Mais de 35 anos após sua morte, a memória da Drag Queen continua viva em performers modernas, em suas expressões artísticas e em cada representação de Úrsula na cultura pop. Uma artista do Camp, única e sem medo de desagradar, Divine mudou a maneira como muitos contemplavam o mau gosto.