Até pouco tempo, a obra-prima de Frank Herbert, ‘Duna’, era considerada inadaptável. Uma tentativa mal-sucedida do diretor David Lynch, em 1984, colocou qualquer plano de um grande estúdio para adaptar a saga espacial de Herbert em um limbo. Porém, em tempos pré-pandêmicos, o diretor Denis Villeneuve assumiu a tarefa de adaptar a história de Paul Atreides, transformando o primeiro livro em dois blockbusters de sucesso mundial. 

Ambientado em um futuro distante, onde o universo conhecido é regido por um sistema de feudos planetários, ‘Duna’ acompanha o clã Atreides ao tomar posse do planeta desértico Arrakis, antes sob domínio de seus adversários políticos, os Harkonnen. Paul, o herdeiro do ducado, tem sonhos proféticos que pressagiam grandes mudanças. Sua vida sofre uma reviravolta quando os exércitos liderados pelo Barão Vladimir Harkonnen orquestram um ataque devastador, matam seu pai e o forçam, junto com sua mãe, a encarar os mistérios do deserto e seu povo. 

Frank Herbert construiu personagens carismáticos e de ética ambígua, sem delimitar completamente as fronteiras entre o bem e o mal. Denis Villeneuve não hesita em traduzir essa complexidade para as telas. Paul Atreides começa a história com o arquétipo de “salvador branco”, mas sua transformação em um líder genocida adiciona profundidade ao universo narrativo. Apesar de antagonistas como os repulsivos Harkonnen serem bem definidos, todos os personagens exibem uma dualidade que os torna capazes tanto de grandes atos de bondade quanto de crueldade extrema. 

Um dos pilares da franquia literária e das adaptações de Villeneuve é a forma como a fé manipula e distorce a visão das pessoas. Grandes líderes abusam da ingenuidade dos crentes e dos povos nativos. A irmandade Bene Gesserit, por exemplo, mantém seu controle por meio de séculos de manipulação genética e filosófica, implantando versões adaptadas de uma mesma religião em diferentes culturas consideradas inferiores. Quando seus planos não saem como o esperado, essas figuras não hesitam em extinguir linhagens inteiras ou recorrer a métodos cruéis. Temas como esses ganharam maior profundidade na série Dune: Prophecy. 

Lançados em 2021 e 2024, com um terceiro filme em desenvolvimento, os longas de Villeneuve apresentam uma escala monumental. Os desertos escaldantes e os vermes gigantes são retratados de forma grandiosa, enquanto as naves espaciais, embora vistas apenas externamente, reforçam a imensidão do universo imperial. Cada planeta, com suas peculiaridades e habitantes, gira em torno do precioso Melange, um recurso que alimenta conflitos incessantes. 

As adaptações contam com um elenco renomado: Timothée Chalamet, Zendaya, Rebecca Ferguson, Oscar Isaac, Stellan Skarsgård, Florence Pugh, entre outros, dão vida aos personagens clássicos da literatura. Os efeitos visuais, impressionantes, ajudam a construir a magnitude de um mundo repleto de criaturas — humanas e não humanas — exploradas de maneira meticulosa por Villeneuve. 

Com temas como corrupção e fanatismo religioso, ‘Duna’ consolidou-se como uma das obras mais relevantes da ficção científica. As premiadas adaptações de Villeneuve apresentam essa história complexa a uma nova audiência, que se prepara para explorar um universo onde o preço da fé traça legados muito além das expectativas.  

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