Madonna, apesar de todo seu talento como cantora e performer, possui uma filmografia limitada e pouco ousada. Enquanto conterrâneas como Lady Gaga se aventuram avidamente no cinema, a Rainha do Pop restringe a maior parte de suas incursões audiovisuais a videoclipes e produções iconográficas. Embora suas aparições no cinema sejam relativamente raras, Madonna deixa sua marca quando necessário, seja na adaptação do musical “Evita” e em “Dick Tracy”.

Baseado nas populares tirinhas da década de 1930, “Dick Tracy” conta a história de um policial justo, que veste um sobretudo amarelo e está determinado a derrotar um mafioso e seus associados em uma cidade repleta de crimes, confrontando figuras coloridas e misteriosas. A simplicidade narrativa é compensada pelo estilo visual e experimental do longa.

Tentando capitalizar no sucesso do filme “Batman” de 1989, a Disney comandada por Michael Eisner e Jeffrey Katzenberg, produziu “Dick Tracy” em busca de uma franquia que alavancasse o estúdio em seu período sombrio pré-renascença. O premiado diretor e galã Warren Beatty, fã das tirinhas, adquiriu os direitos de adaptação, assumindo a direção e a produção do filme. Sua então namorada, Madonna, integrou o elenco no papel da fatal Breathless Mahoney. Danny Elfman, colaborador frequente de Tim Burton e compositor de “Batman”, foi o responsável pela trilha sonora.

Ao contrário das super franquias como Marvel e DC, que tendem a se aproximar de um viés mais realista, “Dick Tracy” procura ao máximo replicar o estilo de suas tirinhas: A equipe de produção utilizou majoritariamente sete cores, as mesmas evidentes nas publicações originais; A câmera parada e o aproveitamento de silhuetas fazem com que muitas cenas do filme se assemelhem a imagens diretamente extraídas dos jornais; A equipe de maquiagem, utilizando muitas próteses, criou personagens com estéticas únicas e feições exageradas, diretamente tiradas dos quadrinhos. Ambientado em uma boate e contando com uma das maiores estrelas da época no elenco, o filme se inclina para o gênero musical, com a lenda da Broadway Stephen Sondheim sendo responsável por algumas canções. Uma delas, “Sooner or Later”, ganhou o Oscar no ano seguinte.

Beatty e Madonna não são os únicos nomes relevantes do elenco. Al Pacino interpreta, sob muitas próteses, o gângster ‘Big Boy’ Caprice, enquanto um Dustin Hoffman com dificuldade de dicção é um de seus capangas. Em aparições estilizadas, encontramos versões incomuns de Dick Van Dyke, Kathy Bates, Catherine O’Hara e James Caan, todos se entregando com intensidade a cada segundo de cena, mesmo que suas participações sejam breves.

Ao contrário de “Evita”, onde Madonna precisou se transformar e entregar uma performance cheia de nuances e camadas, Breathless Mahoney é uma femme fatale simples, com dois requisitos: ser bonita e saber cantar. De longe um dos melhores fatores do filme, Breathless é fatal e sarcástica, sempre com uma carta na manga ou uma canção no coração. Os figurinos acentuam o apelo sexual da personagem, sem expor demais a performer.

Para ajudar a promover o filme, Madonna lançou um álbum no qual músicas do filme e originais dividiam espaço. Com um estilo reminiscente de jazz e swing, “I’m Breathless” ganhou um breve segmento na turnê Blond Ambition, onde Madonna compartilhava o palco com uma figura fantasiada de Dick Tracy. Ter uma das estrelas mais populares da época como atriz principal ajudou no marketing promocional da Walt Disney Pictures, embora as cores vibrantes do filme tenham atraído o público infantojuvenil.

Apesar de ter tido um sucesso moderado nas bilheterias americanas, os números de “Dick Tracy” não agradaram a Katzenberg nem iniciaram uma franquia nos moldes do “Batman” de Burton. Seus aspectos técnicos exagerados renderam ao filme os Academy Awards de Melhor Maquiagem e Direção de Arte. O filme de Warren Beatty, além de ser uma das maiores referências na breve filmografia de Madonna, tornou-se sinônimo de produções estilizadas, inspirando filmes como “Sin City” e “300”.

“Dick Tracy” está longe de ser considerado um bom filme, mas é único, criado sob as circunstâncias certas. Com os direitos de adaptação ainda pertencentes a Beatty, a silhueta do personagem permanece viva, mesmo que seu nome seja esquecido pelas grandes audiências. Em um mundo onde os filmes estão cada vez mais sem cor, um mundo colorido e abstrato faz falta.