Romantizar épocas passadas é tão comum quanto perigoso. Fantasiar por uma década que não passa de história, enquanto desconsideramos a realidade atual, esquecendo que o glamour de uma era é apenas uma ilusão. Este é um dos temas explorados no intrigante terror psicológico de Edgar Wright, “Noite Passada em Soho”.

Lançado em um mercado cinematográfico se recuperando da pandemia de Covid-19, ‘Soho’ é um filme magnético, apesar de suas imperfeições. Embora fuja do estilo de direção característico de Wright, as marcas registradas de seus clássicos como ‘Scott Pilgrim’ e ‘Baby Driver’ estão presentes, desde cortes rápidos até uma trilha sonora meticulosamente escolhida.

A trama segue Eloise, uma jovem da Cornualha em busca de se tornar uma estilista de renome, que se muda para Londres fascinada pela vibrante estética dos anos 60. No entanto, sua visão otimista da capital britânica como a melhor cidade do mundo é rapidamente confrontada pela monotonia do mundo contemporâneo. Escapando de colegas traiçoeiros, ela se muda para um quarto oferecido por uma idosa, e a partir desse ponto, suas noites tomam um rumo inesperado. Eloise percebe uma estranha conexão com Sandie, uma aspirante a cantora nos anos de 1960, desencadeando uma espiral que a faz perder a cabeça e a noção da realidade.

Tematicamente, o filme ecoa “Meia-Noite em Paris” de Woody Allen, explorando como a idealização de uma era pode não ser benéfica para o nostálgico. A apresentação estética de ‘Soho’ busca inspiração em mestres do terror como Roman Polanski e Dario Argento.

Os anos 60, recriados pela equipe de Wright, capturam a grandiosidade da época, sem esconder a misoginia e os abusos nos bastidores. As cores quentes e frias em letreiros de neon refletem as emoções dos complexos personagens. A sincronia entre os atores em cenas paralelas, imitando um espelho e seu reflexo, é magistralmente coreografada. Embora o desfecho possa ser um ponto de desistência para alguns, a história e a revisita aos gêneros de terror psicológico e sobrenatural oferecem uma abordagem diferenciada.

O elenco, liderado por Thomasin Mckenzie e Anya Taylor Joy como Eloise e Sandie, é uma surpresa agradável. Matt Smith, Sam Claflin e Terence Stamp complementam o filme em papéis coadjuvantes, destacando as diferenças nos homens que as protagonistas encontram.

‘Soho’ marca a despedida de Diana Rigg, falecida durante a pós-produção. Conhecida por papéis em ‘Os Vingadores’ e ‘Game of Thrones’, Rigg interpreta a rígida Sra. Collins, senhoria de Eloise, transmitindo credibilidade em cenas e revelações no último ato. Num mundo onde lendas do cinema têm seus últimos papéis aquém do potencial, Diana encerra sua carreira de maneira notável.

‘Noite Passada em Soho’ pode não ser o ápice da filmografia de Edgar Wright, mas está longe de ser uma jornada sem sentido e banal. Com uma história envolvente e um elenco de primeira, o filme não decepciona, enquanto adverte sobre os perigos de se perder no passado e negligenciar o presente.

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