Como jogador de League of Legends (ou LoL para os mais íntimos) há mais ou menos 7 anos, eu sempre fiquei me perguntando sobre a falta de representatividade em meio ao número extenso de personagens que habitam o jogo, porém em 2017 tive uma grande surpresa ao refazerem a história de um dos atiradores da rota inferior, Varus, a flecha da vingança, pois na nova história ele é formado por um casal gay e um Darkin (uma espécie de ser ancestral corrompido). Isso foi um choque pra comunidade, até porque a história do campeão não havia sido alterada desde o seu lançamento e descobrir tudo isso a partir de um clipe musical em estilo animação junto a uma HQ foi algo avassalador.

Confesso que fiquei extremamente feliz com a notícia por ver que existem personagens iguais a mim dentro de algo que jogo desde os meus 13 anos, porém o tempo foi passando e nada de outro campeão que portava esse tipo de representatividade, até que em dezembro de 2018 tivemos a revelação de Neeko, a camaleoa curiosa, que foi confirmado (inclusive tem interações dentro do jogo, diferente do Varus) ser lésbica, além de termos a honra de uma dubladora bissexual brasileira, Flora Paulita, fazendo a voz original e a voz brasileira da campeã. Tudo isso foi extremamente “groundbreaking” para o jogo, pois mostrava que agora a Riot estaria trabalhando para abraçar a inclusão do meio LGBTQ+ dentro do universo de fato.

ArtStation - Neeko - League of Legends, Jennifer Wuestling

Com o passar dos anos a história do LoL foi crescendo através do universo principal (Runeterra) e dos universos paralelos das linhas de skins, mas atualmente surgiu uma história no mínimo curiosa em um desses universos paralelos chamada “Sem Tempo”, na qual foi escrita pelo Michael Yichao, que conta um possível “crush” do personagem Ezreal desse universo pelo personagem Ekko. Tudo é colocado nas entrelinhas e muita gente chegou a reclamar sobre isso, mas o escritor veio a público no Twitter falar um pouco sobre o caso e até sobre a indignação dele em não poder expor as histórias dos personagens da forma que deve ser, veja abaixo a tradução dos tweets dele:

“Um dos maiores desafios em contar histórias queer em grandes desenvolvedoras é a dificuldade de lidar com a audiência global, onde em algumas regiões é (repugnantemente) ilegal esse tipo de conteúdo. Um personagem queer confirmado ou até mesmo sua história poderia colocar seus colegas de trabalho em risco perante a justiça ou até mesmo risco físico.”

“Diferentes empresas possuem diferentes abordagens. Algumas fragmentam suas histórias para que um personagem queer possa existir de forma canônica em seu carro chefe, mas omite isso em regiões específicas. Mas esse tipo de abordagem gera buracos de continuidade para audiências diferentes e diminui a verdade do personagem.”

“Outras evitam ter personagens queer em seu carro chefe (seja em jogo ou em filmes) mas tentam incorporar a representatividade através de mídias auxiliares. Geralmente é pior: pois isso gera personagens não comprometidos com a narrativa, ou que aquele personagem queer nunca possa ser visto “na tela”. Queerbaiting.


“Como um criador, é imensamente frustrante ter suas mãos amarradas em termos de como você pode executar sua história, e o que você pode ou não confirmar publicamente sem dúvidas sobre a atração de tal personagem. Amor e atração são essenciais na maioria das histórias e nas jornadas de personagens.”

“Apesar disso, tudo que você pode fazer como escritor é escrever o que você pode, da forma mais autêntica possível. De qualquer forma, completamente não relacionado, aproveite a última história sobre o Ezreal e o Ekko.

Saber disso direto da visão de um criador da Riot é algo extremamente frustrante para a comunidade, porque exibe claramente o preconceito existente pelo mundo e para um autor, ter que limitar a índole de sua obra é algo triste. A abordagem que Riot tem usado para inserir isso canonicamente dentro do jogo é uma mistura das duas que ele citou em seus tweets, pois o uso de mídias auxiliares (HQs, redes sociais e até mesmo a página do universo) é frequentemente ampliada desde que o universo de Runeterra passou a ter sentido, porém a inserção da Neeko dentro do jogo junto a falas que deixam nas entrelinhas a sexualidade da personagem já é um grande avanço dentro do patamar global que o League of Legends possuí. Gostaria de citar algo que foi lançado recentemente como exemplo sobre a nova campeã que está para chegar em Summoner’s Rift: Seraphine.

Desde junho desse ano, a Riot criou perfis para a personagem em redes sociais na qual ela vive dentro do nosso mundo (aliás, ela reside em Los Angeles atualmente), é uma produtora musical e solta covers na internet a fora, porém a personagem exibe seu dia-a-dia através de fotos e interações nas redes sociais como se ela fosse real. Há alguns dias atrás ela postou o cover da música “All The Things She Said” da dupla t.a.t.u, na qual a música é considerado um dos hinos LGBTQ+ feitos nos últimos 25 anos, e logo em seguida ela publicou o seguinte tweet em resposta ao seu post:

“Eu escutei essa música há muito tempo atrás e ela está presa na minha cabeça desde então. Eu venho refletindo sobre muita coisa atualmente, mas fazer isso foi catártico de certa forma. É muito bom se libertar.”

*catártico: significa a purificação e purgação de emoções através da arte ou uma extrema mudança emocional que resulta na renovação e restauração.

Após esse tweet eu finalmente consegui ver que outro campeão queer está prestes a chegar dentro do LoL, pelo menos no cânone do universo musical dele…

O que eu quero dizer com tudo isso e essa explicação toda é: estamos caminhando aos poucos para um universo de jogos onde personagens que nem a gente existam de forma livre e o League of Legends é um exemplo disso. Fico muito feliz em finalmente ver que o meio LGBTQ+ está tomando espaço em todas as plataformas e que mesmo em passos curtos, estamos caminhando para um mundo com mais representatividade.

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