“Guerra, uma guerra terrível.

 Viúvas, órfãos.

isso foi o que a revolta trouxe para nossa terra. 

13 Distritos se rebelaram contra o país que os amavam, que os alimentavam, que os protegiam.

 Irmão contra irmão, até não sobrar nada.

Então veio a paz, luta difícil, vitória lenta.

 O povo se reergueu das cinzas e uma nova era começou. 

Mas a liberdade tem seu preço…

– Presidente Coriolanus Snow 

A franquia Jogos Vorazes, lançada após a satisfatória conclusão de Harry Potter, tornou-se um dos maiores sucessos cinematográficos da década de 2010. Quatro filmes, lançados entre 2012 e 2015, renderam à Lionsgate mais de dois bilhões de dólares e transformaram os livros de Suzanne Collins em uma verdadeira sensação. Quando Jennifer Lawrence e Josh Hutcherson finalizaram “A Esperança – Parte Final”, era improvável que voltássemos a ver o mundo de Panem no cinema. Tudo isso mudou no início de 2020, quando Suzanne Collins lançou seu mais novo livro ambientado neste rico universo.

“A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” foi lançado em novembro de 2020, com sua adaptação cinematográfica chegando aos cinemas dois anos depois. Ambientado 64 anos antes dos jogos de Katniss e Peeta, o filme segue um jovem Coriolanus Snow, a esperança de uma família caída na Capital pós-guerra. Sendo o mentor da tributo do Distrito 12, a performer Lucy Gray Baird, Snow viaja pelos bastidores da décima edição dos Jogos Vorazes, deparando-se com figuras corruptas que moldaram o jovem Coriolanus no estoico ditador interpretado pelo falecido Donald Sutherland.

Francis Lawrence, o diretor responsável pela maioria dos filmes da franquia, retorna à direção. Com uma filmografia refinada e controlada, o filme nos apresenta um universo “retrofuturista”, inspirado nas capitais europeias do período entre guerras. As figuras originalmente anárquicas da Capital são substituídas por personagens esteticamente inspirados em consortes reais, doutores fascistas e acadêmicos europeus. O filme tem a tarefa de criar um universo futurista pelas lentes atuais, mas que parece ultrapassado em relação ao visto em “Jogos Vorazes”, trabalho realizado com maestria por todos os envolvidos, desde os diretores de arte até os figurinistas.

A produção também busca criar Jogos Vorazes mais brutais e selvagens, mostrando como muitos dos artifícios utilizados na Panem de Katniss foram originalmente idealizados. É palpável como diferentes filosofias clássicas e temáticas teóricas moldaram Panem, e a décima edição dos Jogos Vorazes representa a relação entre opressor e oprimido, com a Capital e seus distritos. No Distrito 12, o ambiente remanescente da Londres do início do século XX demonstra como a terra natal de Katniss Everdeen evoluiu pouco em 64 anos. Se as críticas sociais na trilogia original já eram fortes, essa nova produção de Lawrence complementa a discussão.

Tom Blyth interpreta o moralmente duvidoso Coriolanus Snow, mostrando a lenta ascensão de um homem sedento por poder e disposto a tudo para chegar ao topo, com incríveis semelhanças com Sutherland quando mais jovem — tanto na aparência quanto no método de atuação. Rachel Zegler dá voz a Lucy Gray Baird, uma artista lançada ao campo de batalha que precisa se adaptar para sobreviver e possui uma voz capaz de aquecer até os corações mais frios. Os veteranos Viola Davis e Peter Dinklage interpretam dois personagens caóticos que ajudam a mover a história e a construir o monstro dentro de Coriolanus.

O retorno do universo de Jogos Vorazes aos cinemas, em um mundo visto como corrupto por propagandas e ideologias, é bastante bem-vindo. Com sua riqueza simbólica e paralelos profundos, o universo de Suzanne Collins continua a ser influente e atemporal, oferecendo inúmeras possibilidades para um futuro próximo.

Categorized in: